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São Jacinto |
As palavras que se seguem servirão para dar a conhecer a corrida pelo lado de dentro, uma vez que do lado de fora os números são implacáveis; é aquilo e mais nada. Mas, como diz o dito popular, nem tudo o que parece é, e por vezes há realmente aspectos que condicionam, favoravelmente ou o inverso, aquilo que a relação numérica parece querer dizer.
Ao contrário do previsto, afinal sempre fui dormir próximo de S. Jacinto. Não que tivesse resultado muito em termos práticos. Ao fim e ao cabo, acabei por "acordar" uma hora mais tarde do que as esperadas 4h30' da matina para as quais me estava a preparar. Culpa dum telefonema para esse enorme companheiro que dá pelo nome de David Caldeirão - o Sr. Triatlo, em Portugal. Deu-me uma dica valente à qual não consegui resistir. Por duas razões, adianto; 1ª, oportunidade de privar com os tribais como não o tenho feito até aqui. 2ª, poder usufruir do descanso mais tempo. Quanto à primeira dica, foi amplamente atingida. Logo quando cheguei à pousada referenciada em Ovar, com quem é que me deparo na recepção? Os amigos de Peniche!! Não poderia ser melhor. Grandes companheiros, pessoal impecável, com quem privei o resto do dia de sábado...até à altura de recolher aos quartos, claro. E o privilégio de conhecer finalmente tu cá-tu lá esse extraordinário novíssimo veterano que dá pelo nome de Alexandre Feliz. Paulo, Sica, Moura e Alexandre, obrigado. Mais tarde haviam-se de juntar o grupo do "Krepe" (Pedro Gomes) e depois o Sr. Triatlo e família, tudo à roda dos tachos. Os temas não são difíceis de descortinar, quase sempre à volta do triatlo. Pois.
Como eu temia, a noite foi quase toda em branco. Que raio, não há maneira de me abstrair e de dormir, simplesmente dormir. Umas horitas que seja, 4 ou 5. Percebe-se agora porque não me terá adiantado grande coisa ter vindo dormir a Ovar. Neste aspecto, reforço. E realizar uma competição de 5 horas sem um descanso retemperador é...o que vale é que não sou como o Mamede, não bloqueio. Há quem diga que isto dos 50 é muita excitação vivida fora de tempo.
Dia de prova
Rapidamente estamos na brecha para chegar a São Jacinto, depois de pequeno almoçar também com o Gouveia. Sim, estamos. Eu e o Sr. Triatlo. Pelo caminho aprecio o percurso de ciclismo que nos esperava. Planinho, convidativo à aceleração. Mas, o Caldeirão avisa logo; o risco do entusiasmo excessivo é elevado e a factura paga-se na corrida. É para escutar com atenção.
Já na zona de transição, anda tudo num virote. À boa maneira portuguesa. Momento para rever grandes craques conhecidos, Carlos Gomes à cabeça. E outras caras conhecidas. tudo gente como deve ser. A temperatura estava demasiado fresca para circular de alças, mas tinha de ser. E faltam quinze simples minutos e eu ainda nem aqueci. Detesto isto! Gosto, preciso, de um bom aquecimento. Tranquilo, sem stress, para ir activando e apreciando as gentes, os espaços, antes da aceleração. Não consegui. À beira do mergulho inicial, altura para dois curtíssmos dedos de conversa com Pedro Pinheiro e novamente Carlos Gomes. Ajudamos-nos mutuamente. E ala que se faz tarde; água com ele. Estranhamente ou não, está-se melhor dentro de água do que fora, depois dumas braçadas, claro.
A Natação
O pessoal demora a alinhar na partida. Junta-se-me o Fernando Carmo e com ele mais gente, cada vez mais. Procuro espaço tranquilo. E soa a corneta. Durante o percurso, senti-me sempre confortável, demasiadamente confortável. Não queria arriscar muito. Por vezes lá conseguia nadar, quando em encontrava só, mas sempre que me aproximava duma boia, lá se juntava imensa gente. Donde vêm estes gajos, pensava. Onde estariam eles? O certo é que a cena repete-se até à recta final, altura em que fui sempre acompanhado. Pelo meio, levei dois valentes sopapos de calcanhar. Um por cada volta. Estava baptizado. A páginas tantas pensava que "isto" estaria a correr muito mal. Não havia grande fadiga, respiração folgada...Mas, eis que descortino o José Calheiros (Veteranos), homem que nada mais rápido que eu, e sinto-me, como dizer? aliviado. Afinal, parecia não estar a ir assim tão mal. Saída da água com o Zé, troca de palavras na aproximação à transição...
O Ciclismo
E sensação de folga. Nada de exageros, pulsação em valores quase de treino (135 bpm). Mas, as palavras do Caldeirão batiam cá dentro. Ainda estamos no início, pensava. Só que começava a aperceber-me de que estaria a perder muitos lugares, precisamente num segmento onde normalmente estou mais à vontade. Porém, eu insistia na ideia de que isto hoje era mesmo para ver como é que era. Dediquei grande parte das minhas preocupações à alimentação. No final, acabaria por sobrar material e quanto a mim a gestão não é nada complicada. Compreendo que se os níveis de empenho subirem para os limites, nada sobrará e a relação de forças alterar-se-á. Para a próxima. O drafting acabou por existir, aqui e ali. Por vezes caí na armadilha, porque se juntavam vários atletas e tornava-se difícil, em metade da estrada, com múltiplas ultrapassagens simultâneas, encontrar o "nosso espaço". Pareceu-me que terão sido poucos os juízes nas verificações, ao contrário de Pontevedra, por alturas do Campeonato da Europa de A-G, onde haviam vários juizes a circular e que usavam um apito para avisar a malta prevaricadora.
Aproximava-se a parte difícil e estando o ciclismo próximo do seu fim, ficava com a sensação que estava longe das 2h40' que tinha estabelecido para cumprir o segmento, a uma média de 33 kms/hra, mais coisa menos coisa.
A Corrida
As primeiras passadas de corrida foram difíceis. Antevia-se sofrimento daqueles para doer. Saí ao mesmo tempo que um companheiro da Académica de S. Mamede e com ele haveria de continuar até à última volta. Tinha na cabeça um esquema: são 5 voltas, certo? Isto é uma de cada vez. Agora faltarão 4, depois 3 até chegar ao fim. Apercebo-me que muito possivelmente aquela ideia das 5 horas teria sido demasiado optimista, mas com o decorrer do tempo verifico que afinal não. 5 não será, mas falhará por pouco. Volto lá atrás, à natação e ao ciclismo e concluo que terá sido aí que ficaram pendurados, para secar, os 4' a mais das previsões.
Com o tempo vou deixando de ter a companhia dos que vão à minha frente, bem à minha frente. E observo gente cujo andamento é muito bom. Olho para eles e parece tão fácil. O Pedro Pinheiro, o Carlos Gomes (deu-me duas voltas de avanço), que abana e abana as mãos enquanto corre, o Moura, o Sica...enfim. E falta-me duas, uma volta...tenho reservas e uso-as para acabar depressa aquela última passagem pelo sítio onde já voaram outros. Acelero, desacelero, recupero, volto a acelerar e apercebo-me que um dia tenho de experimentar andar a tempo total assim, nos limites. Não é fácil, custa até muito. Por isso, muita gente acaba de rastos, completamente de rastos, mas é possível, andar sempre nos limites. Corto a linha de chegada dentro das previsões, apenas a 4' do tempo desejado. Sem dúvida que está perfeitamente ao meu alcance retirar esses minutos em excesso ao tempo de prova, até mesmo baixar., assim eu consiga dormir, caramba, dormir qualquer coisa de jeito.Até chateia.
E está encontrada a minha distância preferida. Não sei porquê, mas tinha essa sensação sem nunca ter experimentado: 70.3 é a minha distância. Do mesmo modo que senti um orgulho vindo cá de dentro por ter concluído a minha primeira maratona a pé, dentro do previsto, também aqui esse prazer narcísico voltou. I Triathlon. Hoje posso dizer que me sinto um triatleta, finalmente.
Conclusão.
Vou procurar perseguir esta distância como objectivo principal. O teste de que precisava foi concluído com sucesso. Após várias contrariedades desde o início da época e com um mês e meio de preparação em todos os segmentos só posso sentir-me satisfeito. Se for sempre assim, já não poderei dizer mal da vida. Ao longo dos 21 kms a pé, senti verdadeiramente o verdadeiro objectivo de um triatleta amador: superação! Foi observando nos rostos de todos os que se cruzaram comigo, o esgar de esforço, a luta contra si próprio, o sacrifício por ultrapassar a meia maratona. Não é fácil e importa estar à altura deste desafio. Esse o prazer sentido no final; planear, condicionar e concluir. Estão de parabéns a todos os finalistas.
Sinto-me preparado para Vitória e percebi que "este" ritmo que utilizei ser-me-ia ideal para vencer as distâncias anunciadas. Mas, vou ter de abdicar. Os tempos não estão fáceis e seria forçar demasiado as economias num tempo em que o futuro cada vez mais vai escurecendo os nossos sonhos e com eles as expectativas mais positivas. Tinha estabelecido essa participação como o objectivo máximo do ano, justificado, diga-se. Mas, a razão tem de se sobrepor à emoção, neste caso. Tenho a certeza de que outras oportunidades se seguirão e espero nessa altura não estar tão condicionado. Já não houve um campeonato da Europa A-G? Então, vai haver outro concerteza, lá ou noutra paragem qualquer. Companheiros, estarei sempre convosco deste lado, no dia 29 de Julho.
Outras coisas ficaram por dizer, mas o risco de perder completamente a oportunidade no tempo obriga-me a ter de avançar para a publicação desta crónica. Trabalho obligé.
O empeno foi grande e honestamente não me lembro de igual. Talvez na maratona do Porto, mas não me recordo de assistir a uma perna pedir licença à outra para, ambas, em solidariedade no sacrifício, subirem as escadas.
A finalizar, dizer que para além da prova, foi um prazer ter convivido com o pessoal de Peniche e com o Sr. Triatlo, em especial, e com todos os que fizeram do fim de semana passado um momento triatlético de excelência.
Companheiros, abraços e até Espinho.