Pedro Gomes Vence Triatlo Longo de Lisboa!

30/04/11



Grande Pedro! Pela primeira vez, o Triatlo Longo de Lisboa conhece um vencedor português, e Pedro Gomes alcança finalmente a vitória na prova. Lino Barruncho classifica-se num brilhante 2º Lugar. 
Tudo acontece num Sábado repleto de êxitos para a modalidade, já que no Mundial Júnior de Triatlo Cross, Filipe Azevedo e Hugo Alves sagram-se Campeão e Vice-Campeão do Mundo nesta variante. Fantástico!

Todas as informações eFederação de Triatlo de Portugal

Continuação, companheiros.



Triatlo Longo de Lisboa para Ti; Clássica da Primavera para Mim!

28/04/11



Logo

É assim mesmo, companheiros. Quem não tem cão, caça com gato; impedido de participar em Lisboa, naquele que seria o meu primeiro grande objetivo da época, encontrei a alternativa na Clássica da Primavera em ciclismo, prova organizada pela Bike Service e CDC de Navais, com o apoio do Município da Póvoa de Varzim. E já que me refiro a esta clássica, importa referir que a mesma se insere no Troféu de Ciclismo Cidade da Póvoa de Varzim, sendo constituída por 4 provas: a citada, e ainda a Clássica Póvoa/Srª da Graça, Clássica Póvoa/Terras de Bouro e Bike Camp. 
Não é a primeira vez que participo em eventos de ciclismo de estrada. Nos dois últimos anos tive a oportunidade de concretizar um sonho de menino (é verdade, em tempos muito idos quis ser ciclista. Nunca é tarde, de fato) e participar na Clássica Póvoa/Terras de Bouro, depois de ter participado no Bike Camp, prova de estrada (também há competição em btt). Não foi fácil e terá sido das provas mais difíceis em que participei, a da Terras de Bouro. Aquela subida da Junceda, meu Deus...Em ambas as experiências pude constatar que os andamentos em ciclismo são muito, mas muito fortes. Vai-se sempre até onde se pode. Sábado lá estarei, mais umas caras conhecidas, a avaliar pela lista de inscrições.
Seja como for, o que eu desejava mesmo era poder estar em condições de concretizar um outro sonho, agora de idade adulta e bastante recente; concluir um triatlo longo. Lisboa oferece essa possibilidade se calhar mais que em qualquer outro lugar; é que para além da suavidade dos percursos, há ainda a beleza do local, tudo integrado numa das cidades mais atraentes do mundo. Adia-se e adiante.
O tempo parece querer pregar-nos uma pequena partida, tanto em Lisboa, como na Póvoa. No caso do ciclismo, a coisa fica mais perigosa e à que redobrar a atenção e os cuidados. 

Entretanto, recomecei a corrida, quinze minutinhos, para "ver". Foram muito boas, as sensações, e agora aprumo a Peniche. Tenho a esperança que seja desta.

Votos de boa prova e muita diversão, companheiros.

(Fonte: accuweather.com)

(Fonte: accuweather.com)





Café Virtual: à mesa com...Carlos Sá!

23/04/11




Foto: @cjimenez

Hoje trago-vos um atleta de eleição. Seu nome Carlos Sá. Será um dos maiores ultramaratonista portugueses e da Europa da atualidade, atleta ímpar das provas de resistência e em relação ao qual a sociedade em geral começa a despertar não apenas para os seus feitos, mas igualmente, por arrasto, para as provas de montanha.
Do seu currículo, destaco no ano de 2010 o 2º lugar no Circuito Alpino, uma prova constituída por etapas, o 1º lugar na Maratona Alpina Penedos do Lobo, 1º no Grand Raid des Pyrénées (160 kms) e 1º nos 101kms Peregrinos. 
Nascido em Vilar do Monte, Barcelos, há 37 anos, Carlos Sá é uma pessoa cuja vida é ...normal; casado, dois filhos, um de 11 anos e outro de 6, atleta amador, mas com uma dedicação enorme. Carlos mostrou-se sempre muito compreensivo para comigo, uma vez que esta entrevista estava aprazada há imenso tempo e não foi por ele que ela ainda não havia saído. Obrigado, Carlos.

TriatloMania (TM): Bom, acabaste de concluir talvez a mais mítica provação a que um atleta se pode sujeitar...a Maratona das Areias (em português). Que te deu para te inscreveres numa empreitada assim?
Carlos Sá (CS): Qualquer atleta de ultra fundo que corre na Natureza tem como objetivo participar nas mais emblemáticas provas Mundiais. Esta é sem duvida uma delas.
 TM: Não te assustou as condições de realização da mesma? Isto é, todos tiveram que transportar um kit de sobrevivência e isto quer dizer muito. No mínimo, quer dizer que há um risco para a vida humana...Sentiste de algum modo e em qualquer momento a tua vida em risco? Ou situações que a pudessem colocar nessa posição?
 CS Sim, mas também tenho já larga experiência na montanha e isso ajuda, contudo a preocupação era evidente. Mais assustada estava a família e isso preocupava-me mais.
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Foto: Covadonga CUE/MDS 2011
TM Bom, mas fiz-te a pergunta óbvia (o objetivo da tua participação). O mais interessante será saber das tuas sensações antes, durante e após este quase sobre humano desafio. Como o encaraste?
 CS:  A meio da etapa de 82kms estava já muito mal, parecia que ia desmaiar (só no dia seguinte é que soube que tínhamos atingido um pico de 57 graus). Sentei-me, bebi toda a água que tinha, meti 3 pastilhas de sal e 2 geis energéticos e comecei a pensar em todos os emails que recebia e com medo de defraudar toda aquela gente, assim como os meus amigos. Encontrei forças e comecei a caminhar e de seguida a correr novamente. Inicialmente o meu objetivo era acabar e tirar conhecimentos para no futuro estar mais forte e tentar entrar no mais famoso top 10 Mundial.
TM Relembra-nos as etapas da prova...
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Foto: COVADONGA CUÉ/ MDS 2011
CS:  1ª etapa 33km, 2ª 38, 3ª 38, 4ª 82, 5ª, 42,6ª 18. Total: 250km em 7 dias
TM Impressionante!
CS: A etapa de 82 kms tinha um tempo máximo de 34h. Como eu fiz 8h15min, ganhei um dia de descanso.
TM Que preparação específica fizeste para o evento?
 CS Nada de especial. Treinei como o faço sempre para a Montanha. Na verdade, tinha vários planos para preparar esta        prova, mas por questões de falta de tempo não os pude por em prática.
 TM Mas, a situação (terreno, clima, necessidades alimentares/hídricas, condições de descanso...) não são diferentes?
 CS: Segundo o meu treinador, Paulo Pires, formado em desporto de alto rendimento e Nutrição, seria importante fazer Sauna para desidratar e treinar no fim para o corpo se adaptar. Mas tenho 2h por dia para treino e era necessário fazê-las a correr mesmo. Assim, fiz em média somente 150km semanais, enquanto os 50 primeiros fazem em média 250km.
      TM a diferença é grande, de fato
 CS:  Para terminar o treino, outra solução prática que queria testar era isolar-me uma semana, no Gerês, por exemplo, e testar a alimentação. Eu levei massas liofilizadas, barras e geis. No total 17.000 kc e um peso de 5.5kg. Era possível com apoio nutricional e trocar esta comida solida por pó, tipo proteína....que pesava menos de metade. Só que tinha que testar isto e como o trabalho não deu...
TM Então, quer dizer que o teste no Gerês...ficou incompleto.
 CS Fica para o ano (risos), no Gerês ou em outro sitio onde não tenh a possibilidade de adquirir outros alimentos, porque     nos dois últimos dias passei alguma fome e se estivesse em casa não sei se resistia.
 TM Antes de iniciares a contenda, o que te assustava mais?
 CS:  Sendo a 1ª participação tinha muitas duvidas como o corpo ia reagir a tal esforço. Era a minha primeira prova por etapas e logo naquelas condições e com o top Mundial. Como treino pouco, normalmente dou tudo numa prova de uma só etapa e depois ando uma semana a pagar, mas consigo (risos). Ali, tinha que aprender e não entrar em loucuras. Fi-lo de uma forma brilhante e saiu-me bem.
 TM Já que falas nos outros atletas, que tipo de atletas participam neste eventos?
 CS: De todo o tipo. O Suiço que ficou à minha frente é triatleta. O Italiano que ficou atrás de mim é um dos melhores ultra trails de Italia.
 TM Muito bom.
 CS Os Marroquinos e Jordanos dominam os circuito de provas dos desertos.
 TM Nunca te assustou seres mordido por algum bicharoco daqueles bem venenosos?
 CS Sim.
TM Ocorreram situações dessas?
CS: Só dormi bem duas noites e uma delas tive que pedir a um Espanhol um comprimido. Há um estudo que  refere que todos os anos em cada 100 desistências 25 são de mordidas.
TM 25%, portanto. Terrível.
CS: Na minha tenda e na malta com quem me relacionava não aconteceu nada. Um dos espanhóis que no ano passado não tinha terminado, acordaram-no com um escorpião em cima do saco cama.
TM: Ah! queres dizer que essas situações não ocorriam durante a prova, mas enquanto o pessoal estava a descansar...
CS...durante a noite, altura em que as temperaturas atingem valores negativos, os escorpiões procuram sitios quentes e normalmente metem-se nas sapatilhas. A malta de manhã vai calçar e pimba. Tinha sempre o cuidado de sacudir todo o material.
TM O que faz parte dum kit de sobrevivência?
CS Tinhamos uma seringa de extração de veneno, um anti-séptico e um foguete para lançar, se caso acontecesse alguma coisa vinham de imediato os helicópteros.
TM ...e medicação? que quantidade de água podiam transportar por dia, alimentos...etc.
     CS: Eu levava, anti-inflamatórios, mágnesio, vitaminas...comia 3 massas liofilizadas por dia; manhã, fim da etapa e antes de deitar. A organização dá uma garrafa de água de manhã.
TM E durante as etapas, que alimentação e líquidos ingerias?
CS: Eles forneciam uma garrafa de água de 10 em 10km, mais ou menos.
TM (risos) Uma garrafinha de água?
CS: Também  4 garrafas ao chegar à meta, para o resto da tarde e noite. No total e em media 12 litros. Mesmo assim tinha sempre a sensação de sede.
TM:  E como obtêm os alimentos?
CS Vai tudo na mochila, às costas.
TM Durante uma semana?
CS: Temos que comprar cá e levar já a mochila pronta.
TM: Quer dizer que não há reforço alimentar durante a prova...
CS: Não. Comecei com 9.5kg, fora a água, e a fazer uma média final de 10.44k/h, numa estreia. Para mim foi fabuloso.
TM: Impressionante!
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Foto: Covadonga CUE/MDS 2011

CS Acho que só quem entende de treino e deste tipo de provas tem a dimensão daquilo que eu fiz. Os Marroquinos têm muitos truques e levam material muito técnico. Partem com 6.5kg, que é o mínimo obrigatório.
Três kg a mais, vezes 250000m dá muita energia desperdiçada (risos).
TM Após as etapas iniciais houve imensas desistências....porquê?
CS Quatro/Cinco helis no ar, Tv´s de todo o mundo, e muita muita ansiedade; eles estão cheios de força e esgotam-se em uma hora (risos). 
TM: Eu não queria antecipar-me, mas posso já fazer esta pergunta que tinha guardado mais lá para a frente...Ultimamente tens dado imensas entrevistas e portanto dado a conhecer a tua modalidade e o teu esforço, consideras-te um herói nacional?
CS: Claro que não. Sou uma pessoa igual a muitas outras. Só que acredito nas minhas capacidades e trabalho muito, mas as coisas não caiem do céu. Tive a sorte e habilidade de juntar à minha volta toda uma equipa que me dá condições mínimas para o sucesso. A começar na família, que me apoia, no meu treinador, na médica fisiatra (Maria), no Rui Ribeiro que criou e atualiza o meu blog, em alguns patrocínios que me ajudam a pagar inscrições, etc.
TM: Voltando à prova...quais as maiores dificuldades durante as etapas? O calor, o pó e a respiração, a necessidade de hidratar, o terreno...?
CS: Penso que tudo junto resulta numa grande dificuldade; o terreno é muito diverso, desde as dunas a subidas empedradas. Chamam-lhes Montanha. As planícies não têm fim à vista.
TM Nesse sentido, qual o calçado ideal para uma prova destas, partindo do princípio que apenas levaste um par.
     CS: Claro. Só um e levei uns chinelos para andar no fim das etapas, mas tive que os despachar antes de começar era muito peso e achei aquilo um luxo. As sapatilhas ideais são as mesmas com que corro na Montanha. Outros levaram sapatilhas de estrada, mas penso que não são boas. Há muita pedra e pisa muito os pés por baixo.
     TM: Já agora, fala-me da logística da prova: preço da inscrição, o que inclui e não inclui, o transporte, a guarda dos objetos pessoais, comunicações, acompanhamento do staff, se há possibilidade, recuperação no final das etapas, assistência médica...
    CS: A organização é cinco estrelas. Pagamos 3300€, temos direito a viagem desde Madrid até ao 1º acampamento. Aí, chegados, e já ao fim da tarde, dormimos e jantamos comida oferecida pela organização. O dia seguinte é para a climatização e mostra do material obrigatório. A alimentação é por conta da organização. Terceiro dia estamos por nossa conta e só podemos sobreviver com o que temos na mochila durante os 7 dias de prova. No final, vamos 2 dias para uma cidade, neste caso Oarzarsate, e temos tudo pago, hotel e alimentação, assim com a viagem de regresso.
     TM: ...
     CS: No dia de apresentação do material despachamos o que não queremos levar às costas e eles guardam as mochilas. É claro que os valores vão às costas, não vá a mochila perder-se. No total, mais a viagem para Madrid e a alimentação que levei, assim como outras despesas de material, gasta-se mais de 4000€. É muito caro e sem apoios não seria possível.
TM: Descansavas o suficiente durante a noite?
CS Por incrível que pareça, tirando a etapa de 82 km, corri as outras em mais ou menos 3,30h. No final de cada etapa, devo ter gasto 30 minutos a procurar vegetação seca para fazer fogo para aquecer água para juntar às massas, e mais 30 minutos a ver as classificações e depois  ficava deitado a descansar. Não tinha vontade e energia para fazer mais nada.  Sentia-me cansado e era uma preocupação; será que amanhã já vou estar recuperado? Estava sempre na minha cabeça isto. Então, punha os pés em cima da  mochila e tentava descansar o máximo. Tinha também que tratar das botas e feridas nos pés. No final de cada etapa era assim, como no inicio da seguinte. Voltando à logística; sempre que as equipas médicas assistiam um atleta, por exemplo, e estávamos desidratados e era-nos dado soro, isso custava-nos horas no final, porque eram assistências com penalização. No final da segunda etapa estava já muito mal dos dedos...
TM Mas, isso ainda era só o início...
CS Sofri muito, mas depois dei um pontapé num calhau e pensei ter partido o dedo grande do pé direito. Ficou muito mal, todo pisado. Eram dores horríveis. Aí, os voltarenes ajudaram muito. Depois da 5ª etapa, e devido ao esforço extremo, fiz uma lesão num tendão de um gémeo. Mal podia andar.
TM: Mas, ainda assim corrias.
CS: Faltavam somente 18km e estava a ver que ia morrer na praia, mas com muito sacrifício consegui segurar o 8º lugar. Os primeiros 3 km dessa etapa foram a mancar, mas não era o único (risos). Depois de aquecer melhorava um pouco.
     TM Vamos passar a outra parte da entrevista...Como aparece esta coisa das provas de Montanha na tua vida? Bateste com a cabeça no rodapé ou que aconteceu? (risos)
CS: É melhor, porque podia estar a noite toda a escrever que não conseguia transmitir metade do que se vive lá. Corri até aos 19 anos e depois foi fiquei sedentário. Tinha 92kg, fumava, bebia, etc...
TM: Essa estória não me é estranha, sabias?
CS ...até que o meu filho começa com um anito a meter paus à boca e aquilo chocou-me. Decido mudar de vida e começo a fazer montanha no Amigos da Montanha.
TM: Por influência de alguém ou por curiosidade? Há quantos anos foi isso?
CS Surge uma oportunidade em 2003 de fazer uma expedição de alpinismo no Perú, com o João Garcia, e fizemos uma grande expedição; 4 cumes de mais de 5500m, em 20 dias. Começamos 4 elementos a planear escalar a 6ª montanha mais alta do Mundo: Cho Oyo, com 8201m. Não tinha experiência até 2003,  tirando passeios no Gerês. Fiz toda a formação nos Amigos da Montanha. E há pessoas que têm dons naturais, que em dias aprendem e põem em pratica aquilo que outros demoram anos ou nem conseguem evoluir.
 TM: Foi o teu caso.
 CS: Em pouco tempo era já a uma referencia fisica e técnica no grupo de Montanheiros dos AM.
 TM Espetáculo.
 CS Para se estar a mais de 8000m de altitude com 30/40% de oxigénio estamos por nossa conta. E tinha a consciência que teria de estar no máximo das minhas capacidades físicas. Assim, encontrei na corrida a forma de treinar e como fazia montanha, porque não correr na montanha?
TM:  Mas, na altura não havia muita gente praticante desta variante da corrida a pé, pois não?
CS: Já havia muita malta a correr o circuito Salomon, provas até 13km. Provas longas havia dois ou três, depois a malta passou a ir para Espanha e aí começo logo a dar nas vistas, até que surge um desafio de um amigo para participar na 1ª edição da Ultra Trail Da Geira. Nunca tinha corrido mais que a meia maratona, mas aceitei o desafio, fui lá e sem saber como fiquei em 2º, entre 200 participantes. Nunca mais parei e no ano seguinte voltei e ganhei e fiz mais umas ultras ficando sempre nos dois primeiros. No ano seguinte corri pela 1ª vez uma ultra, em Espanha, de 100km e ganho, meses depois corro pela 1ª vez em França 160km e ganho.
TM: Como te preparas numa semana normal de treinos?
     CS: No domingo à noite envio o microciclo da semana ao meu treinador e ele avalia os dados e prepara a seguinte. Nunca sei o que vou fazer na semana que se inicia. Mas normalmente 2ª feiras é treino de recuperação, só rolar e fins de semana tareias com muitos km. Ele planeia avaliando a Frequência Cardíaca.
    TM Para te preparares para provas cujas distâncias são tão longas, como organizas, ou o teu treinador, os teus treinos?
    CS Faço treinos de 90 a 120 min durante a semana, alguns deles com grande intensidade, para optimizar  o ritmo cardiovascular . Por exemplo, 90 min em monte, com declives, e a FC média de 150ppm.  Faço 22/23km  aos fins de semana, treinos longos para 4/5/6h. Nunca treino mais que isso. Nesses treinos procuro ritmos médios de 10/11k/h e FC 115/120 bpm. A minha FC em repouso situa-se entre 32/40, conforme o volume de treino e cansaço do dia a dia. 
TM Que treinos de qualidade fazes? Tipo séries...
CS Intervalados, tipo 20min a 155 bpms ou  5 x a 120 x 8/10. Como treino sempre em Monte tem que ser assim. Nunca faço estrada ou pista.
TM O que te estimula correr em montanha?
CS Procuro desafios e a superação dos meus limites. A Maratona das Areias foi um enorme desafio onde me dei bem e quero repetir. Quero também experimentar novos desafios, como correr a Spartatlon na Grecia - 247km numa só etapa, em estrada.
TM Como concilias esta atividade com a vida familiar? e como é que eles vêm esta tua dedicação?
CS: Com muita organização e com a ajuda deles. Só para teres uma ideia, o meu filho com 11 anos faz o jantar praticamente todos os dias. E fá-lo com gosto, tal como eu fazia com a idade dele, tivesse ele a mesma paixão por estudar: (risos)
TM Tens tempo para mais alguma coisa...?
 CS: Deixo muita coisa que gostava por fazer...mas sinto-me feliz com aquilo que consigo fazer.
      TM Como é o teu cuidado com a nutrição...
CS Não é diferente do de outros atletas. O peso é importante nesta atividade e devemos evitar as comidas muito calóricas.
TM: E  apoios?
CS: No ano passado não tinha nenhuns tirando algumas inscrições dos Amigos da Montanha. Este ano as coisas mudaram e já tenho material de La Sportiva; dá-me sapatilhas. E a d´Maker, mais algum material técnico. A nível financeiro, tenho a Câmara de Barcelos, os AM e a ChaYmit. Tenho também a Clínica Fisívida em Barcelos e a Drª Maria Cunha de Aveiro, que me faz a reabilitação Física. E estou a começar a trabalhar com a universidade de desporto do Porto e Centro de Motricidade Humana para fazer testes e tentar evoluir mais ainda.
TM Uma colega tua esteve presente numa ação de formação sobre nutrição, organizada pela FTP. E uma questão que ela colocou foi que o seu organismo não conseguia ingerir nada a partir de um determinado volume de horas em prova. A questão era a seguinte: o que ingerir. Na altura incentivei-a a falar contigo dada a experiência que tens na modalidade. Que aconselharias a uma pessoa nestas circunstâncias?
 CS: Tento nas grandes ultras ingerir solidos e comida quente, como sopa, massa, café, chá, etc...O grande erro é os atletas tentarem correr 20/30h, ou mais, apenas com aquilo que nos vendem e que parecem milagrosos; os geis e barras. São importantes, mas começamos a ficar enjoados e não conseguimos digerir os alimentos.
TM Como te preparas para uma prova de 160 kms em que tens de correr de noite?
 CS Com frontal. Infelizmente, passo o Inverno todo no meio do monte a correr de frontal. É tudo treino (risos). Só para teres uma ideia, uma prova como a dos Pireneus, de 160km, com 20.000 m de desnível, tinha abastecimentos de 10 em 10km, mais ou menos. Eu ingeria em cada 10 km um bidão de coca-cola ou isotónico e outro de água. Portanto, meio litro. Os atletas só começam a  preocupar-se com a desidratação quando têm sede, mas já é tarde.
TM:  Material necessário para quem pretenda iniciar-se na modalidade.
CS Sapatilhas é o mais importante.
TM:  Que sapatilhas? Já ouvi falar que devem ser impermeáveis, já ouvi dizer que não...em que ficamos?
CS Eu não concordo com as impermeáveis. A água entra sempre e tem menor capacidade de transpiração. Depois, bom amortecimento e bom piso, para não ir falésia abaixo
 TM ...e roupa? Numa montanha nunca se sabe bem que tempo iremos apanhar.
CS Se for uma ultra consta no material obrigatório corta vento, frontal, calças ou corsários, assim como uma muda de camisola e sapatilhas em pontos de abastecimentos.
TM: Treino técnico, é necessário? 
CS Tem de se aprender a correr com muito calhau e evitar lesões. A agilidade e rapidez de reação é fundamental, mas isso aprende-se participando.
TM: A técnica a subir e a descer...
    CS: Em subidas fortes, cabeça a bater no chão e as mãos a fazer impulso nos joelhos. Assim poupamos os gémeos. A descer, manter o equilíbrio e ser rápido a reagir. Nas subidas fortes é  caminhar alternando com pequenos trotes. Eu vou sempre no limite, mas quem faz um Monte Branco em 44 h pode descansar uma horita.
Eu vou tentar fazer 22/23h, é sempre a abrir.
TM Todo o percurso numa montanha é feito correndo? e de noite? nunca se dorme?
 CS: Devido ao cansaço, passamos horas complicadas. A coca cola e o café ajuda. Nos Pirenéus estive três noites sem dormir. Sim, sem dormir corri durante 26h e 40min. Só que a prova começava às 5 da manhã e não consegui dormir. Depois, passei o dia e noite a correr, e no dia e noite seguinte também não consegui dormir. O relógio biológico fica todo alterado e é complicado, depois temos também a emoção.

TMDos teus imensos feitos, há algum que destaques, que te dê particular orgulho?
CS: Talvez este ultimo. Todos foram marcantes, mas este nas condições que fui e fazer o que fiz não estava nada à espera.
TM: Quais os teus maiores objetivos para este ano?
CS: Entrar nos 5 primeiros do Ultra Trail do Monte Branco.



 


TM: Onde está a nata do mundo
CS: Sim.
Tm: Carlos, boa sorte e vamos continuar atentos às tuas façanhas. Obrigado.

FIM








O Ultra Runner Carlos Sá, irá estar no...Café Virtual, este fds!

21/04/11



Minha foto

É verdade, companheiros. O próximo convidado para a conversa informal, em jeito de Café Virtual, não será um triatleta, mas sim o enorme ultramaratonista português, Carlos Sá! 


Falaremos da sua incrível experiência na última edição da Maratona das Areias, onde esteve num plano extraordinário, mas também das suas vivências em provas de Montanha, cujos feitos além fronteiras (não tem rival em território nacional) não deixam de nos surpreender e de exaltar com tamanhas proezas.


Brevemente!


Reflexão VII

20/04/11





Sem Palavras (quase...)
Inicialmente, tinha como propósito, na estruturação das razões que me levaram a aderir à blogosfera, a criação de um espaço mais externo que interno Isto é, mais virado para os contextos da atividade desportiva em causa e menos diretamente ligado a mim e às minhas emoções pessoais. Para isso, criei um outro espaço e nele tenho-me circunscrito à intimidade, em alguma medida, donde resulta algo como o molde que forma o meu caráter, por assim dizer. Ou pelo menos parte dele.
A páginas tantas, apercebo-me que é preciso disciplina para seguir aquela linha de orientação originária e que sendo eu uma pessoa com uma forte carga emotiva na forma como me envolvo nas coisas e com as pessoas de  quem gosto, dou por mim a fazer também deste espaço quase como um diário. Também contagiado por outros blogues, é verdade. E concluo que não haverá problema nenhum nisso, desde que por um lado não me esqueça do propósito inicial; por outro, o faça de forma séria e digna. Até porque também é verdade que no fim de contas as pessoas querem aferir do que aquele indivíduo em concreto sente num determinado contexto, no dealbar duma determinada prova ou evento. Mais do que saber deste assunto ou daquela matéria mais específica (treino, alimentação, etc...). E comprovo isso pelo simples facto de que o interesse de todos aqueles que aqui vêm é tanto maior quanto o assunto disser respeito a crónicas, em vez de outros assuntos técnicos, por exemplo. A verdade, verdadinha, é que na 2ª feira passada o blogue ultrapassou números inimagináveis para a sua curta e singela história, tendo superado as estatísticas verificadas aquando de outra crónica que então redigi na altura, a propósito da maratona do Porto. 
Perfeitamente compreensível, até porque para os aspectos específicos há os artigos dos especialistas nas revistas da especialidade, os livros, os jornais, os vídeos, etc etc. Para o sentir do pulso da pessoa  há apenas o próprio. E há naturalmente uma infindável riqueza nas manifestações que cada um tem sobre um mesmo acontecimento, uma mesma situação, porque sendo cada um de nós uno e indivisível (apesar deste Domingo ter corrido riscos de ter ficado em cacos), daí resulta necessariamente uma vasta panóplia de pontos de vista. Afinal, é disto que se trata: saber daquela pessoa em concreto, procurando a multiplicidade de visões únicas e com elas nos enriquecermos através das experiências de todos nós.
Neste sentido, tenho novamente de, e nunca será demais, vos dizer quão significativas, geradoras de fortes emoções, até, são as palavras que aqui deixastes. Não serei merecedor de tantos encómios, mas que vos agradeço, isso irei fazê-lo...sempre.


Day After


Por força da minha paragem na natação e do impedimento em correr, fico circunscrito ao ciclismo. O BTT vai ficar na prateleira uns tempos (...). Acontece que o meu amigo Diogo Cardoso, fisioterapeuta, propôs-me na semana passada um tratamento específico à fáscia, em sentido lato. Para resolver ou ajudar a resolver alguns dos problemas que me afetam, mormente a questão da planta/metatarso do meu pé esquerdo e provavelmente, ou por arrastamento, a zona fibrosada no gémeo direito; os meus dois enormes calcanhares de aquiles.Tentar não custa, pior não fico, porque não? Só que fui de imediato avisado; "vai ter de parar três dias!!" Ele sabe da minha adição, sabe que treinar para mim é ar que me falta. Mas, respondi-lhe que sim sr., três dias aguenta-se. E somei logo dois mais dois; esta é provavelmente a melhor altura para a paragem. Apenas pedalar não é tão estimulante (talvez aqui esteja o verdadeiro cerne que distingue o triatleta dos outros praticantes), porque não agora? Para além disso, ainda ando com as bochechas (do tal) meio ardentes e começaram a aparecer à tona da pele os derrames internos provocados pela queda (os meus braços estão a ficar arroxeados). A ideia é recuperar para ver se consigo regressar em Junho, pelo menos. O certo é que mesmo caminhando, sinto dor no tal gémeo e isso não é normal. Mais exames? Não parece passar por aí, segundo opinião do clínico do Centro de Medicina Desportiva do Porto. Já foram usadas as melhores técnicas para descortinar das razões. Agora, parece-me que é mesmo o momento de me entregar às técnicas de evasão fisioterapeuta e à minha proprioceptividade.  Conclusão: vamos lá tratar da fáscia e ter esperança. Duma coisa estou seguro; não há tratamento que me retire os anos e as mazelas que eles transportam e que carrego em cima, mas se algo houver que me limite a limitação, já me dou por muito satisfeito.





A Semana Antes de Domingo


Nunca me tinha acontecido, mas foi intencionalmente que o fiz. Tinha por propósito a aquisição de volume, neste microciclo de treino. Mas, o ter entrado num período com mais tempo disponível e estar limitado ao ato de pedalar e nadar, ajudou. E já agora aproveito para vos divulgar (acho que nunca o fiz) o meu diário de treino. Também gosto de partilhar. E como tenho de atualizar os meus registos, sempre ficam como uma ideia do que o gajo anda a fazer. Ao consultar o ficheiro, irão verificar das razões porque o ácido lático me "atacou" após os 80 kms de prova. E claro, não fora o domingo extraordinário e não teria feito 1407 minutos de treino, isto é, quase 24 horas de suor! O que me deu muita satisfação, para além de ter "sobrevivido" à queda, claro, foram as sensações do tipo de  fadiga que resultaram e que já dei conta na crónica referida. 

















Companheiros, abraços triatléticos e até breve!


9,28 ou 570 ou 205200 de Extreme Aventura no Domingo, 17!

18/04/11





Preparativos

Domingo, muito antes do despertar do relógio, aprazado para as 7h15', já me encontrava acordado e desperto. A noite havia sido tranquila. Nada de ansiedades, longe, portanto, dos eventos dos anos 08 e 09 quando aquela tomava conta de mim e fazia as provas em pleno sonho, em jeito de antecipação e desejo, mas que não me impedia de estar fresco. Era a época do frenesim das provas. Agora, eheheheh apetece-me dizer que estou mais maduro, agora que tenho 50 anos, na altura tinha menos 3. Na realidade estou. As experiências são aprendizagens e aprendemos até morrer. Por isso acredito na ideia de que a formação deve ser contínua. Longe vai o tempo em que alcançado o estatuto se metia a cruise control e deixa ir ...até à aposentação. Como mudou o mundo.
Pequeno almoço com café, sandes mista, ovo escalfado. Um pouco à pressa, porque apesar de jogar em casa, os minutos sempre galopam em cima do relógio. Tudo estava preparado. Iria levar comigo a camelback (claro), com uma pepsi-cola, bem fresquinha, uma garrafa de isostar, que também dormiu no frigorífico toda a noite, 3 maçãs, 1 laranja, 5 barras de uma mistura de cereais e chocolate (bem agradáveis; do tio Belmiro, baratinhas), dois bidons, sendo que um levava o preparo do sal com açúcar, na quantidade certa para ao beber se sentir apenas...água, o outro levava uma mistura de pó para a reposição dos electrólitos. Mais água com sal e açúcar na mochila. E o telefone e um pneu e uma câmara, porque isto comigo não é de confiar; mais uma bomba, mais as ferramentas, mais os desmontas, mais...20 euros. Ah! e o GPS estava em falta. Tinha havido um problema com a instalação do track e tinha de estar às 8h no local de partida. E tava feito.
A partida aprazada para as 8h30', era dada mais cedo uma hora que as outras maratonas, mas assim que cheguei a Esposende (vivo a 5' de carro) já andava tudo num alvoroço. O tempo escasseava e ainda tinha o problema do GPS para resolver. Merda, pensei, havia esquecido dum segundo jogo de pilhas. Vai ser bonito, ai vai vai. Nestas alturas, a pessoa que procuramos nunca aparece. Prof., vá ter com o Mariano que é ele quem tem o aparelho. O Mariano, que tinha feito um direta depois de vir do sul porque participou num randonneur de ciclismo e que também ia fazer o Extreme, diziam,, andava num virote no secretariado, com uma fila considerável para levantar os kits da prova. Lá me deu a ferramenta de navegação, mas avisou-me logo que as pilhas estavam fracas. Quê? E agora? Vá ali ao mercado, lá vendem. Deve ser verdade, às 8h da matina, num domingo. Nem lá fui. Estava dentro da estratégia, a situação; poupar nos kms iniciais ou até meio da prova e depois usá-lo. Até lá, ir junto, fosse como fosse e de quem fosse. Mas, eis que o suporte deixou de estar bem fixo. E faltava 15' para a partida. Ai o caraças! Lá se arranjou uma solução, eu tinha levado a chave philips, por motivos. E lá fui para a linha de partida.


O início
Assim que cheguei à partida constatei que a "minha" prova seria algo de diferente das outras. Primeiro porque a partida seria feita em sentido contrário, para Norte, ao contrário dos outros eventos em que a partida estava direcionada para Sul. Depois, os acessos também eram diferentes. Os participantes tinham equipamento especial do qual sobressaía o GPS, claro está. Mais as mochilas, mais os bolsos inchados com alimentos. E depois o perfil dos participantes. Secos e secos, a esmagadora maioria. Notava-se que aquelas pernas tinham quilómetros e quilómetros de trilhos. Notava-se nas pernas mas também se notava no rosto; chupados, com as rugas em relevo, na face, tipo riachos de suor. Mas, todos com um sorriso estampado na expressão. Estavam ansiosos pela aventura. E ainda se notava outra coisa que se destacava: o número de betetistas, reduzido, claro. Aliás, quando cheguei ao controlo, já havia gente, e bicicletas então eram já consideráveis, junto à vedação limite da partida para os 35 e 70 kms. Impressionante. Uma hora antes e lá estavam eles. Quando partimos, já eram mais os outros que nós.
Antes ainda de partir, fui olhando à minha volta para as aparências. E se elas iludem, mas não tinha solução. Quem andará ao meu nível? Perguntei a um tipo se andava muito, respondeu-me primeiro com os ombros, depois lá disse que mais ou menos. Desconfiem sempre quando vos responderem isto. É preferível consultá-los bem no seu perfil e ir tirando conclusões; quando saímos, ele foi com o grupo da frente, para não mais o largar.
Este rapaz fez uma observação curiosa, ao dizer que este tipo de provas eram o futuro da resistência em BTT. E porquê? Por causa da importância do GPS para a navegação e da necessária substituição das marcações nos percursos, que poluem, que não se retiram atempadamente ou mesmo não se retiram, e depois há tanta marcação que ficamos completamente baralhados. Eu acho que ele tem razão. Apenas um senão; o preço do utensílio. Depois há outra coisa que o GPS nos dá e a que me referirei mais à frente.
Deu-se a partida. Um grupo homogéneo assumiu de imediato a liderança da coisa. Os outros iam ficando para trás e eu fiquei ali meio entalado. Pedalei mais forte e cheguei-me à frente. Fui com eles nestes quilómetros iniciais, por entre trilhos sulcados pelos tratores dos agricultores. A fase inicial era plana, o ritmo era acompanhável, deixei-me ir. Às tantas, dois do grupo líder ficam para trás e eu engano-me. Vou com estes. Andei com eles até que uma subida nos separou, atrasando-me, e logo a seguir um cruzamento. Vi que eles tinham passado numa estrada mais acima e percebi que seria por ali. Mas, estava no ponto que mais temia; sozinho e sem GPS não dá, é uma autêntica lotaria. Mais à frente, outro cruzamento, mas embora ouvindo-lhes as vozes, não os vejo. Decido esperar pelo grupo seguinte. Que não tardam. Seguimos. A este grupo haveriam de se juntar outros tantos, porque há enganos e enquanto se retoma e não retoma o percurso, lá se chegam mais. Há um grupo que me parece ser ao meu jeito e tem bons navegadores. Vou com estes, penso. Só que um dos navegadores subia menos bem (era mais pesadinho) e dois parceiros afinal não pertenciam a este grupo. Colo-me a estes e andámos ainda uns bons quilómetros juntos. Até que se junta um colega bem meu conhecido e que ia num ritmo assinalável. Junto-me a ele. Nesta fase tinha tomado uma decisão que haveria de me custar algum tempo mais adiante na prova, mas estava curioso; decido ligar o GPS.

O GPS 
E meus caros, fiquei fascinado. Fiquei claramente fã desta ferramenta. Nunca tinha navegado por indicações assim e agora posso dizer que voltar a fazer uma maratona de BTT com penduricalhos nas árvores e arbustos é como ter tido um Ferrari e voltar ao volante dum Fiat. A sensação de estar ao leme da navegação é fantástica. Parecia que estava num Camel Trophy ou coisa do género. Até quando me enganei, e foram bastas as vezes (a inexperiência tem custos), foi engraçado procurar o trilho certo e tal. Muito giro mesmo. Adorei. E mais; planeio, agora mais que nunca, fazer os trilhos de Santiago em BTT, entre França e aquela cidade. Percebem agora porque acho que aquele moço tem toda a razão? É mesmo este o futuro do BTT, variante resistência.
Voltando ao trilho; nunca mais vi os companheiros com quem ia, antes de tentar acompanhar o meu colega. A este ia seguindo-lhe o rasto pelos tortuosos caminhos da subida que culminaria com um abastecimento, que me surpreendeu. Afinal, isto não era suposto ser feito em autonomia? Mas a coca-cola soube-me bem, e a banana, que haveria de sorver mais à frente. Além disso, ainda tinha a pepsi, concerteza sem a frescura de outrora.

A Queda
Passado este abastecimento e mesmo no final da subida, deveria ter rumado à direita. Resultado, mais perca de tempo. E agora sim, longe do meu colega. Os que vinham atrás também não estariam perto. Havia deixado de subir, agora alternava plano e descida, com ligeiras inclinações. Até que...deparo-me com um rampa bem inclinada e de piso liso e por isso mais traiçoeira. Decido-me ir pelo lado contrário da vertente, mas mesmo travando, a vertente empurra-me teimosamente para os trilhos desenhados pela corrente forte da água das chuvas. A velocidade não era muita, mas a inércia aumentava-a. E o que eu temia acontece; entro no sucalco, o volante da bicla faz 90º ou mais, sou projetado e vou embater precisamente num pedregulho que ali se encontrava; precisamente à minha espera, como se de uma aranha se tratasse, esperando pacientemente as suas presas, depois de tecida a teia. O embate foi...brutal, mesmo com a parte inferior da face no rochedo. Como se não chegasse, ainda levei com a bicicleta em cima. Não me perguntem como, mas ela fez questão de dizer que fazia parte do pacote. E asseguro-vos que este impacto foi a parte mais dolorosa.
Afasto a bicicleta, levanto-me. Sinto que fiquei sem os dois dentes da frente. E a primeira frase que me veio, juro, à cabeça foi esta: " Houston, we have a problem!" É, fez-me lembrar as palavras do Comandante da expedição nº 13 da Apollo, James A. Lovell, mas que afinal não terão sido propriamente aquelas palavras, mas antes "Houston, we've had a problem". Bom, mas aquela frase não me saía da cabeça. Depois de me levantar e constatar que para além de menos dois dentes, tinha também um corte do catano no queixo, dada a quantidade de sangue que via à minha volta, e que precisaria de ser suturado. Fui buscar um pouco de algodão que tinha levado, não para este efeito, mas estava lá e usei para procurar proteger a zona afetada. Por momentos, e já de pé, fiquei meio atarentado. Lembrei-me duma outra queda, tida a 500 metros de casa, quando na altura vivia em Odivelas, que me tinha proporcionado exatamente a mesma sensação. É natural; há uma quebra intensa na tensão arterial, por força  do impacto que provoca a nível físico e psicológico.
Estava perante um dilema; continuo ou desisto? Esta palavra não consta muito do meu dicionário. Posso não ir treinar por isto ou por aquilo, mas depois no caminho não sou de desistir. Aquilatei das minhas condições. Estava bem, fisiologicamente e psicologicamente. Fisicamente estava um bocado dorido, natural, pensei. As estruturas funcionavam. Temia por uma possível infeção do corte feito no queixo. Continuando ainda ia apanhar muito pó e bem vistas as coisas estavam cumpridos cerca de 55 kms. Faltavam-me algo à volta de 70. Tinham passado 3 h e meia, mais coisa, menos coisa. O adereço do pacote estava incólume. Até estranhei. Decido continuar. Antes de sair do local, tive uma sensação tipo extra sensorial, uma espécie de vingança por parte das descidas. Eu já aqui fiz referência à forma altiva como me tenho posicionado perante elas, especialmente no que diz respeito à velocidade com que as ultrapassamos e as vencemos. Fiquei com a ideia que desta feita elas se vingaram dessa postura. E senti-lhes a risada a ecoar naqueles montes e vales. Filhas duma...
Uma curiosidade; durante este tempo todo ninguém se cruzou comigo. Eu penso que devo ter estado parado cerca de 15'. A queda podia ter sido bem pior. Levava capacete, claro, mas poderia ter ficado ali meio aparvalhado ou com alguma coisa, enfim... Nem quero pensar nisso. Pensei em tirar fotos, mais tarde e em casa. Depois, retifiquei. Seria má publicidade a uma modalidade tão fascinante. São riscos próprios do assunto. Não poderia ter acontecido o mesmo num segmento de ciclismo, quando por vezes se circula a 40 kms/hra? Sim, o BTT concentra mais riscos de prevalência destas situações, mas a gravidade essa é igual.

Continuação...
Segui, então. Relembro que me guiava pelo GPS e que avançava só. Nos pontos de controlo por onde passava a organização queria que eu abdicasse. Nem pensar. Eu tinha vindo fazer um Extreme e só um impedimento forte me faria desistir da ideia. E ainda levava o algodão colado ao corte.
Mais uns enganos, mais percas de tempo. O problema principal nos enganos é quando temos de voltar para trás ...subindo. Especialmente quando se trata de uma inclinação plena de dificuldades. Recordo-me que nesta fase havia sido alcançado por dois marmejos que andavam ali sem GPS, imagine-se. Um deles diz-me, encontramos um santo. Podemos ir consigo? eu respondo-lhes, não sei é se eu aguento ir convosco. A sorte deles é que vinha outro duo próximo e que iam no ritmo deles. Eu estava em queda, nitidamente. Depois, voltei a sentir aquele incómodo da planta do pé esquerdo. Terrível. Não sei como irei resolver esta coisa. Para acicatar as coisas, tinha ficado sem GPS. A páginas tantas, aparece um grupo com quem já tinha andado. Lembram-se dum gordinho, que navegava bem, mas subia menos bem? Vinha ele mais muitos outros. Juntei-me para a abordagem ao monte mítico de S. Gonçalo. Fui com eles todos, estava obrigado a isso. Ora mais para trás, ora mais para a frente, lá se juntavam todos ao fim de contas. Estava aí pelo km 80 e qualquer coisa. Pensava para comigo que já não faltava tudo. Decidi fazer uma refeição. E os grupos separaram-se. Colei-me a um duo, com os quais mantinha contato à distância, mas num dado cruzamento fiquei na dúvida. E havia que esperar por quem viesse atrás. Nesta fase começava a sentir os efeitos do ácido lático acumulado nos quadricipedes. Tinha ácido a mais e relaxação a menos, assim como precisava de hidratar. Só que a tendência era subir, subir...Por vezes pedalava levantado e aliviava um pouco, mas não dá para muito tempo assim.

Uma Rapariga à minha frente
No duo que se segue, aparecem dois elementos da mesma equipa, um ele e uma...ela. Fiquei que nem posso. O quê? uma tipa à minha frente? Merecido, constato. Ela ia muito bem, muito bem mesmo, e isso notava-se quando o terreno começava a inclinar. O problema é que tendo todos GPS, embora o meu estivesse sem pilhas, nos perdemos. Pode? Ao todo foram uns bons 15' para encontrar o traçado correto do track. Mas, tudo bem, faz parte. Acabei por ir com eles até que apanhamos o trilho da maratona dos 70 kms. A partir daqui já não seria preciso mais GPS, estava tudo marcado. Este duo e eu haveríamos de encontrar mais dois colegas da sua mesma equipa. Um deles de cada vez que olhava para mim fazia uma careta do arco da velha e ficava tão assustado e alarmado que acabava por me assustar a mim (o algodão já havia ficado para trás). Eu pensava que isto deveria estar muito mal, então. Mas, a este nível, eu continuava bem. O que preocupava eram as costas, muito massacradas, a planta do pé, por vezes as dores irradiavam de tal maneira que parecia que me espetavam um faca no pé, e os dentes (quanto é que isto vai custar, esquecendo eu que estava coberto pelo seguro). Ao rapaz tive de lhe dizer que não olhasse para mim. Nunca mais me disse nada. Entretanto, mais uma subida daquelas, com raízes e calhaus, e perco a rapariga. Ia acontecer mais tarde ou mais cedo.

Abastecimento aos 84 kms?
Nesta fase todos se perguntavam onde estava o abastecimento prometido aos 84 kms, os mesmos já haviam ficado para trás à-canos. Falarei disto depois. E a partir daqui foi uma longa ansiedade para atingir os famosos 110kms. O certo é que à medida que o meu conta-quilómetros ia acusando a aproximação àquela marca, sentia que iria ter mais do mesmo. Isto é, que afinal a distância nos tinha sido sonegada . É que já se respirava a Esposende, mas ainda estávamos distantes da meta, seguramente. O corpo estava dorido e mais importante, a água já começava a escassear. Eu tinha-a gerido para 110 kms. Vá lá, 115 porque já sei como isto funciona. E quando me parecia que os trilhos nos iriam encaminhar diretamente para a cidade, mais umas voltas pelos campos de cultivo, trilhos, claro, e mais umas sinuosidades e mais quilómetros nas pernas. Eu tinha apontado para 8h para o cumprimento da distância. Já haviam passado 9 hras e havia de pedalar mais 30' para finalmente ir tratar das feridas.

Os traumas e o Balanço Final
Paradoxalmente, no final doía-me mais o rabiosque do que a planta do pé ou outra coisa qualquer. Dois dentes partidos, uma sutura de 8 ou 9 pontos no queixo, entre internos e externos (dizem que vou ficar com o queixo mais sexy). Um rabo assado como nos tempos em que fazia chichi na fralda, tal foi a roça. Escoriações múltiplas nos antebraços e joelhos. As costas bastante massacradas. A minha artrite não me chateou (está a chatear-me hoje), o que foi até um pouco estranho já que com tamanha trepidação por entre trilhos, pensei que iria pagar caro mais tarde ou mais cedo. Ainda bem porque ontem poderia ter sido uma daquelas razões fortes que me levariam à desistência.
Outro dado curioso é que não acabei como nas outras duas edições da maratona Luso Galaico ou mesmo outras maratonas. E nessa altura foram em ambos os casos 84 ou 85 kms. Recordo-me que até para rodar a chave do carro tinha de pedir ajuda à outra mão. Desta feita não foi preciso. Houve empeno, claro que houve. Apercebi-me que eu terei sido dos menos experientes em distâncias assim, tão longas. Nunca havia feito mais de 6 hrs seguidas a pedalar, e nessa altura foram também 84 kms, numa maratona para esquecer (Viana, 1ª edição).
Ontem completei os 126 kms acusados pelo meu conta-quilómetros em 9h e 28 minutos. Hoje recebi uma mensagem da organização informando-me que havia concluído os 110 kms em 8h e 23'. Portanto, a 23' do objectivo. A queda e aquela "perdição" com os outros dois comparsas não me permitiram alcançar o almejado objetivo. Mas, como dizia ontem, estou com a auto-estima em alta e satisfeito com o meu desempenho.


A organização
Por vezes, os muitos aspectos positivos podem ser atraiçoados por apenas um ou dois aspectos negativos. Foi o caso da organização deste evento.
Os aspectos positivos têm a ver com a escolha do percurso, simplesmente fantástico, a despeito dos 2800 metros de acumulado em subida, mas é assim mesmo. A diferenciação das partidas, logo no início, e a delimitação da chegada, criando um corredor próprio, assim como a orientação do tráfego privilegiando a presença dos ciclistas em detrimento dos automobilistas, por parte da GNR, foi fantástico, também. O fornecimento de água no final, que é uma obrigatoriedade, mas estava lá. E o apoio e a preocupação da organização com os ciclistas no geral, é algo que se respira. Os serviços todos próximos na chegada, como as lavagens das biclas, mais os banhos na piscina. Tudo impec.
O que é que não esteve bem? Primeiro aspeto, e muito determinante numa organização, o anúncio da distância real, mesmo que por aproximação. Dizer que um percurso tem 110 kms é uma coisa, até pode ter mais 5, mas no final constatar que afinal são mais de 20 kms, faz a diferença de uma hora ou mais. Influencia a gestão dos líquidos e sólidos. Eu, por exemplo, rejeitei a oferta de água de populares porque pensava, na minha ingenuidade, que estaria muito próximo. Ainda tive de fazer mais 60'!! E influencia-nos psicologicamente. Naturalmente que após  8 horas a pedalar desejamos acabar quando perspetivamos esse tempo para a conclusão do evento. Verificar que afinal ainda temos uma hora pela frente ou sequer que não sabemos quanto tempo ainda temos pela frente é angustiante. Note-se que muitos participantes estão nos seus limites psicológicos ou físicos ou ambos. Não se faz. Até porque se tivessem anunciado que seriam 120 kms seriam exatamente os mesmos a participarem. A questão não se prende com a distância em si.
A outra falha grave foi terem anunciado um abastecimento aos 84 kms e nós nem vê-lo. Teria sido preferível fazer como no outro abastecimento, que não era esperado, ao km 50. Agora, contar com água, já só falando deste aspecto, e nada?! também foi mau. Disto irei dar conta no devido lugar a quem de direito.
Eu adorei, como já disse, e mais digo; até gostaria de fazer uma prova que cruzasse dois dias; isto é, saída no sábado e chegada no domingo, com percurso nocturno ou o caneco. Eu até alinhava numa coisa assim. Teria apenas de ter garantias de algumas coisas.








Curiosidades

  • Ao longo do percurso, cruzei-me com cobras, por duas ou três vezes. Num caso não a tracei por uma unha. Não que o desejasse, mas ela estava ali na esplanada, a banhos, e eu só me apercebi quando ela decidiu que estava na hora duma ida à toilete.
  • As pessoas são generosas. Desta feita, não houve grande aglomerado de gentes em nosso redor. O trajeto passou bem próximo de Ponte de Lima, Barcelos, Serra d'Arga...mas, aqui e ali recebi palminhas de famílias que admiraram a nossa ousadia. Sempre que pude retribui, houve casos em que não deu, sob pena de perder a focagem.
  • As nossas mulheres são fantásticas e nem sempre julgamos o quanto podem sofrer só por nos julgarem em sofrimento. A minha, por exemplo, enfermeira e competente, ficou aflita/preocupada/sem pinga de sangue quando me viu. Disse-me logo "vamos já ao hospital". Tive de ser eu a animá-la, gracejando aqui e acoli porque a sua expressão era muito tensa. De fato, a gente inscreve-se nestas coisas e nem pensa que estado de alma terão as nossas jeitosas. Claro que pensam sempre que vai correr tudo bem, e confiam na nossa confiança, porque a transmitimos amiúde. Mas, a coisa pode correr para o torto, de fato. No ano passado, após um treino na barragem da Aguieira, apercebi-me de algumas preocupações que normalmente não nos assaltam o espírito. Dizia-me ela após uma hora e muito de idas e regressos pela travessia da dita "e se te acontece alguma coisa e ficas ali?" Um beijinho muito grande para ti, querida.
  • Tenho um jovem amigo que é especial. Seu nome Hugo Rocha, mais conhecido por Rochinha. Foi ele quem me "impingiu" até hoje todas a biclas que tenho para treinar e competir, e ajuda-me imenso quando compro tanta coisa lá na loja. Mas, ele também é da organização e um dos responsáveis pela escolha dos percursos. Se o Luso Galaico é o que é hoje, muito se deve ao amigo Hugo, como eu o trato. Foi ele quem me emprestou o GPS. Foi ele quem me facultou um pneu à descrição, caso precisasse de o usar. Só não me facultou um "drop-out" porque estavam esgotados.  E é com ele que tenho de falar sobre aquelas falhas eheheheh. Mas, é uma pessoa incansável. Um enorme abraço, Hugo.
  • O Luso Galaico é um enorme evento de BTT. Arrisco-me a dizer o melhor ou um dos melhores no panorama nacional. A partida, mesmo sendo realizada numa marginal espaçosa, demora seguramente mais de 20' a concluir após o aperto na corneta. De cada vez que participo enriqueço o meu conhecimento sobre os trilhos que circundam o Concelho. Acredito que a experiência deste ano no Extreme irá estender-se a bem mais participantes no próximo ano, caso se repita. 
  • Os meus treinos de natação vão parar. São os riscos que esta modalidade tem. Acontecendo um azar as marcas podem abraçar outras áreas do treino. Por isso compreendo que os triatletas tenham de ter muito cuidado na gestão de provas outsider que pretendam  fazer. O último post do Llanos mostra-nos o craque num vídeo por si concebido e em tempo de preparação para o Ironman no Texas, descendo um trilho de BTT, precisamente. Não será demasiado arriscado? E falando em treinos, hoje estava preparado para rodar 90' em estrada, bicicleta, claro. Só que o assado está tão quente que vou deixar arrefecer para amanhã. 

Meus caros seguidores/leitores, termino esta minha odisseia com a promessa que tudo estou a fazer para regressar às lides da modalidade que amamos. Se for em Peniche, que seja.  Se for mais tarde, também não há crise. Quero é regressar.
Antes de acabar, envio daqui para os States, concretamente para Mountain View, Califórnia, um grande e forte abraço para agradecer a fidelidade de alguém cuja paciência para ir lendo estes dislates que aqui vou deixando não tem limite.

Abraços triatléticos e até breve, companheiros.