Preparativos
Domingo, muito antes do despertar do relógio, aprazado para as 7h15', já me encontrava acordado e desperto. A noite havia sido tranquila. Nada de ansiedades, longe, portanto, dos eventos dos anos 08 e 09 quando aquela tomava conta de mim e fazia as provas em pleno sonho, em jeito de antecipação e desejo, mas que não me impedia de estar fresco. Era a época do frenesim das provas. Agora, eheheheh apetece-me dizer que estou mais maduro, agora que tenho 50 anos, na altura tinha menos 3. Na realidade estou. As experiências são aprendizagens e aprendemos até morrer. Por isso acredito na ideia de que a formação deve ser contínua. Longe vai o tempo em que alcançado o estatuto se metia a cruise control e deixa ir ...até à aposentação. Como mudou o mundo.
Pequeno almoço com café, sandes mista, ovo escalfado. Um pouco à pressa, porque apesar de jogar em casa, os minutos sempre galopam em cima do relógio. Tudo estava preparado. Iria levar comigo a camelback (claro), com uma pepsi-cola, bem fresquinha, uma garrafa de isostar, que também dormiu no frigorífico toda a noite, 3 maçãs, 1 laranja, 5 barras de uma mistura de cereais e chocolate (bem agradáveis; do tio Belmiro, baratinhas), dois bidons, sendo que um levava o preparo do sal com açúcar, na quantidade certa para ao beber se sentir apenas...água, o outro levava uma mistura de pó para a reposição dos electrólitos. Mais água com sal e açúcar na mochila. E o telefone e um pneu e uma câmara, porque isto comigo não é de confiar; mais uma bomba, mais as ferramentas, mais os desmontas, mais...20 euros. Ah! e o GPS estava em falta. Tinha havido um problema com a instalação do track e tinha de estar às 8h no local de partida. E tava feito.
A partida aprazada para as 8h30', era dada mais cedo uma hora que as outras maratonas, mas assim que cheguei a Esposende (vivo a 5' de carro) já andava tudo num alvoroço. O tempo escasseava e ainda tinha o problema do GPS para resolver. Merda, pensei, havia esquecido dum segundo jogo de pilhas. Vai ser bonito, ai vai vai. Nestas alturas, a pessoa que procuramos nunca aparece. Prof., vá ter com o Mariano que é ele quem tem o aparelho. O Mariano, que tinha feito um direta depois de vir do sul porque participou num randonneur de ciclismo e que também ia fazer o Extreme, diziam,, andava num virote no secretariado, com uma fila considerável para levantar os kits da prova. Lá me deu a ferramenta de navegação, mas avisou-me logo que as pilhas estavam fracas. Quê? E agora? Vá ali ao mercado, lá vendem. Deve ser verdade, às 8h da matina, num domingo. Nem lá fui. Estava dentro da estratégia, a situação; poupar nos kms iniciais ou até meio da prova e depois usá-lo. Até lá, ir junto, fosse como fosse e de quem fosse. Mas, eis que o suporte deixou de estar bem fixo. E faltava 15' para a partida. Ai o caraças! Lá se arranjou uma solução, eu tinha levado a chave philips, por motivos. E lá fui para a linha de partida.
O início
Assim que cheguei à partida constatei que a "minha" prova seria algo de diferente das outras. Primeiro porque a partida seria feita em sentido contrário, para Norte, ao contrário dos outros eventos em que a partida estava direcionada para Sul. Depois, os acessos também eram diferentes. Os participantes tinham equipamento especial do qual sobressaía o GPS, claro está. Mais as mochilas, mais os bolsos inchados com alimentos. E depois o perfil dos participantes. Secos e secos, a esmagadora maioria. Notava-se que aquelas pernas tinham quilómetros e quilómetros de trilhos. Notava-se nas pernas mas também se notava no rosto; chupados, com as rugas em relevo, na face, tipo riachos de suor. Mas, todos com um sorriso estampado na expressão. Estavam ansiosos pela aventura. E ainda se notava outra coisa que se destacava: o número de betetistas, reduzido, claro. Aliás, quando cheguei ao controlo, já havia gente, e bicicletas então eram já consideráveis, junto à vedação limite da partida para os 35 e 70 kms. Impressionante. Uma hora antes e lá estavam eles. Quando partimos, já eram mais os outros que nós.
Antes ainda de partir, fui olhando à minha volta para as aparências. E se elas iludem, mas não tinha solução. Quem andará ao meu nível? Perguntei a um tipo se andava muito, respondeu-me primeiro com os ombros, depois lá disse que mais ou menos. Desconfiem sempre quando vos responderem isto. É preferível consultá-los bem no seu perfil e ir tirando conclusões; quando saímos, ele foi com o grupo da frente, para não mais o largar.
Este rapaz fez uma observação curiosa, ao dizer que este tipo de provas eram o futuro da resistência em BTT. E porquê? Por causa da importância do GPS para a navegação e da necessária substituição das marcações nos percursos, que poluem, que não se retiram atempadamente ou mesmo não se retiram, e depois há tanta marcação que ficamos completamente baralhados. Eu acho que ele tem razão. Apenas um senão; o preço do utensílio. Depois há outra coisa que o GPS nos dá e a que me referirei mais à frente.
Deu-se a partida. Um grupo homogéneo assumiu de imediato a liderança da coisa. Os outros iam ficando para trás e eu fiquei ali meio entalado. Pedalei mais forte e cheguei-me à frente. Fui com eles nestes quilómetros iniciais, por entre trilhos sulcados pelos tratores dos agricultores. A fase inicial era plana, o ritmo era acompanhável, deixei-me ir. Às tantas, dois do grupo líder ficam para trás e eu engano-me. Vou com estes. Andei com eles até que uma subida nos separou, atrasando-me, e logo a seguir um cruzamento. Vi que eles tinham passado numa estrada mais acima e percebi que seria por ali. Mas, estava no ponto que mais temia; sozinho e sem GPS não dá, é uma autêntica lotaria. Mais à frente, outro cruzamento, mas embora ouvindo-lhes as vozes, não os vejo. Decido esperar pelo grupo seguinte. Que não tardam. Seguimos. A este grupo haveriam de se juntar outros tantos, porque há enganos e enquanto se retoma e não retoma o percurso, lá se chegam mais. Há um grupo que me parece ser ao meu jeito e tem bons navegadores. Vou com estes, penso. Só que um dos navegadores subia menos bem (era mais pesadinho) e dois parceiros afinal não pertenciam a este grupo. Colo-me a estes e andámos ainda uns bons quilómetros juntos. Até que se junta um colega bem meu conhecido e que ia num ritmo assinalável. Junto-me a ele. Nesta fase tinha tomado uma decisão que haveria de me custar algum tempo mais adiante na prova, mas estava curioso; decido ligar o GPS.
O GPS
E meus caros, fiquei fascinado. Fiquei claramente fã desta ferramenta. Nunca tinha navegado por indicações assim e agora posso dizer que voltar a fazer uma maratona de BTT com penduricalhos nas árvores e arbustos é como ter tido um Ferrari e voltar ao volante dum Fiat. A sensação de estar ao leme da navegação é fantástica. Parecia que estava num Camel Trophy ou coisa do género. Até quando me enganei, e foram bastas as vezes (a inexperiência tem custos), foi engraçado procurar o trilho certo e tal. Muito giro mesmo. Adorei. E mais; planeio, agora mais que nunca, fazer os trilhos de Santiago em BTT, entre França e aquela cidade. Percebem agora porque acho que aquele moço tem toda a razão? É mesmo este o futuro do BTT, variante resistência.
Voltando ao trilho; nunca mais vi os companheiros com quem ia, antes de tentar acompanhar o meu colega. A este ia seguindo-lhe o rasto pelos tortuosos caminhos da subida que culminaria com um abastecimento, que me surpreendeu. Afinal, isto não era suposto ser feito em autonomia? Mas a coca-cola soube-me bem, e a banana, que haveria de sorver mais à frente. Além disso, ainda tinha a pepsi, concerteza sem a frescura de outrora.
A Queda
Passado este abastecimento e mesmo no final da subida, deveria ter rumado à direita. Resultado, mais perca de tempo. E agora sim, longe do meu colega. Os que vinham atrás também não estariam perto. Havia deixado de subir, agora alternava plano e descida, com ligeiras inclinações. Até que...deparo-me com um rampa bem inclinada e de piso liso e por isso mais traiçoeira. Decido-me ir pelo lado contrário da vertente, mas mesmo travando, a vertente empurra-me teimosamente para os trilhos desenhados pela corrente forte da água das chuvas. A velocidade não era muita, mas a inércia aumentava-a. E o que eu temia acontece; entro no sucalco, o volante da bicla faz 90º ou mais, sou projetado e vou embater precisamente num pedregulho que ali se encontrava; precisamente à minha espera, como se de uma aranha se tratasse, esperando pacientemente as suas presas, depois de tecida a teia. O embate foi...brutal, mesmo com a parte inferior da face no rochedo. Como se não chegasse, ainda levei com a bicicleta em cima. Não me perguntem como, mas ela fez questão de dizer que fazia parte do pacote. E asseguro-vos que este impacto foi a parte mais dolorosa.
Afasto a bicicleta, levanto-me. Sinto que fiquei sem os dois dentes da frente. E a primeira frase que me veio, juro, à cabeça foi esta: " Houston, we have a problem!" É, fez-me lembrar as palavras do Comandante da expedição nº 13 da Apollo, James A. Lovell, mas que afinal não terão sido propriamente aquelas palavras, mas antes "Houston, we've had a problem". Bom, mas aquela frase não me saía da cabeça. Depois de me levantar e constatar que para além de menos dois dentes, tinha também um corte do catano no queixo, dada a quantidade de sangue que via à minha volta, e que precisaria de ser suturado. Fui buscar um pouco de algodão que tinha levado, não para este efeito, mas estava lá e usei para procurar proteger a zona afetada. Por momentos, e já de pé, fiquei meio atarentado. Lembrei-me duma outra queda, tida a 500 metros de casa, quando na altura vivia em Odivelas, que me tinha proporcionado exatamente a mesma sensação. É natural; há uma quebra intensa na tensão arterial, por força do impacto que provoca a nível físico e psicológico.
Estava perante um dilema; continuo ou desisto? Esta palavra não consta muito do meu dicionário. Posso não ir treinar por isto ou por aquilo, mas depois no caminho não sou de desistir. Aquilatei das minhas condições. Estava bem, fisiologicamente e psicologicamente. Fisicamente estava um bocado dorido, natural, pensei. As estruturas funcionavam. Temia por uma possível infeção do corte feito no queixo. Continuando ainda ia apanhar muito pó e bem vistas as coisas estavam cumpridos cerca de 55 kms. Faltavam-me algo à volta de 70. Tinham passado 3 h e meia, mais coisa, menos coisa. O adereço do pacote estava incólume. Até estranhei. Decido continuar. Antes de sair do local, tive uma sensação tipo extra sensorial, uma espécie de vingança por parte das descidas. Eu já aqui fiz referência à forma altiva como me tenho posicionado perante elas, especialmente no que diz respeito à velocidade com que as ultrapassamos e as vencemos. Fiquei com a ideia que desta feita elas se vingaram dessa postura. E senti-lhes a risada a ecoar naqueles montes e vales. Filhas duma...
Uma curiosidade; durante este tempo todo ninguém se cruzou comigo. Eu penso que devo ter estado parado cerca de 15'. A queda podia ter sido bem pior. Levava capacete, claro, mas poderia ter ficado ali meio aparvalhado ou com alguma coisa, enfim... Nem quero pensar nisso. Pensei em tirar fotos, mais tarde e em casa. Depois, retifiquei. Seria má publicidade a uma modalidade tão fascinante. São riscos próprios do assunto. Não poderia ter acontecido o mesmo num segmento de ciclismo, quando por vezes se circula a 40 kms/hra? Sim, o BTT concentra mais riscos de prevalência destas situações, mas a gravidade essa é igual.
Continuação...
Segui, então. Relembro que me guiava pelo GPS e que avançava só. Nos pontos de controlo por onde passava a organização queria que eu abdicasse. Nem pensar. Eu tinha vindo fazer um Extreme e só um impedimento forte me faria desistir da ideia. E ainda levava o algodão colado ao corte.
Mais uns enganos, mais percas de tempo. O problema principal nos enganos é quando temos de voltar para trás ...subindo. Especialmente quando se trata de uma inclinação plena de dificuldades. Recordo-me que nesta fase havia sido alcançado por dois marmejos que andavam ali sem GPS, imagine-se. Um deles diz-me, encontramos um santo. Podemos ir consigo? eu respondo-lhes, não sei é se eu aguento ir convosco. A sorte deles é que vinha outro duo próximo e que iam no ritmo deles. Eu estava em queda, nitidamente. Depois, voltei a sentir aquele incómodo da planta do pé esquerdo. Terrível. Não sei como irei resolver esta coisa. Para acicatar as coisas, tinha ficado sem GPS. A páginas tantas, aparece um grupo com quem já tinha andado. Lembram-se dum gordinho, que navegava bem, mas subia menos bem? Vinha ele mais muitos outros. Juntei-me para a abordagem ao monte mítico de S. Gonçalo. Fui com eles todos, estava obrigado a isso. Ora mais para trás, ora mais para a frente, lá se juntavam todos ao fim de contas. Estava aí pelo km 80 e qualquer coisa. Pensava para comigo que já não faltava tudo. Decidi fazer uma refeição. E os grupos separaram-se. Colei-me a um duo, com os quais mantinha contato à distância, mas num dado cruzamento fiquei na dúvida. E havia que esperar por quem viesse atrás. Nesta fase começava a sentir os efeitos do ácido lático acumulado nos quadricipedes. Tinha ácido a mais e relaxação a menos, assim como precisava de hidratar. Só que a tendência era subir, subir...Por vezes pedalava levantado e aliviava um pouco, mas não dá para muito tempo assim.
Uma Rapariga à minha frente
No duo que se segue, aparecem dois elementos da mesma equipa, um ele e uma...ela. Fiquei que nem posso. O quê? uma tipa à minha frente? Merecido, constato. Ela ia muito bem, muito bem mesmo, e isso notava-se quando o terreno começava a inclinar. O problema é que tendo todos GPS, embora o meu estivesse sem pilhas, nos perdemos. Pode? Ao todo foram uns bons 15' para encontrar o traçado correto do track. Mas, tudo bem, faz parte. Acabei por ir com eles até que apanhamos o trilho da maratona dos 70 kms. A partir daqui já não seria preciso mais GPS, estava tudo marcado. Este duo e eu haveríamos de encontrar mais dois colegas da sua mesma equipa. Um deles de cada vez que olhava para mim fazia uma careta do arco da velha e ficava tão assustado e alarmado que acabava por me assustar a mim (o algodão já havia ficado para trás). Eu pensava que isto deveria estar muito mal, então. Mas, a este nível, eu continuava bem. O que preocupava eram as costas, muito massacradas, a planta do pé, por vezes as dores irradiavam de tal maneira que parecia que me espetavam um faca no pé, e os dentes (quanto é que isto vai custar, esquecendo eu que estava coberto pelo seguro). Ao rapaz tive de lhe dizer que não olhasse para mim. Nunca mais me disse nada. Entretanto, mais uma subida daquelas, com raízes e calhaus, e perco a rapariga. Ia acontecer mais tarde ou mais cedo.
Abastecimento aos 84 kms?
Nesta fase todos se perguntavam onde estava o abastecimento prometido aos 84 kms, os mesmos já haviam ficado para trás à-canos. Falarei disto depois. E a partir daqui foi uma longa ansiedade para atingir os famosos 110kms. O certo é que à medida que o meu conta-quilómetros ia acusando a aproximação àquela marca, sentia que iria ter mais do mesmo. Isto é, que afinal a distância nos tinha sido sonegada . É que já se respirava a Esposende, mas ainda estávamos distantes da meta, seguramente. O corpo estava dorido e mais importante, a água já começava a escassear. Eu tinha-a gerido para 110 kms. Vá lá, 115 porque já sei como isto funciona. E quando me parecia que os trilhos nos iriam encaminhar diretamente para a cidade, mais umas voltas pelos campos de cultivo, trilhos, claro, e mais umas sinuosidades e mais quilómetros nas pernas. Eu tinha apontado para 8h para o cumprimento da distância. Já haviam passado 9 hras e havia de pedalar mais 30' para finalmente ir tratar das feridas.
Os traumas e o Balanço Final
Paradoxalmente, no final doía-me mais o rabiosque do que a planta do pé ou outra coisa qualquer. Dois dentes partidos, uma sutura de 8 ou 9 pontos no queixo, entre internos e externos (dizem que vou ficar com o queixo mais sexy). Um rabo assado como nos tempos em que fazia chichi na fralda, tal foi a roça. Escoriações múltiplas nos antebraços e joelhos. As costas bastante massacradas. A minha artrite não me chateou (está a chatear-me hoje), o que foi até um pouco estranho já que com tamanha trepidação por entre trilhos, pensei que iria pagar caro mais tarde ou mais cedo. Ainda bem porque ontem poderia ter sido uma daquelas razões fortes que me levariam à desistência.
Outro dado curioso é que não acabei como nas outras duas edições da maratona Luso Galaico ou mesmo outras maratonas. E nessa altura foram em ambos os casos 84 ou 85 kms. Recordo-me que até para rodar a chave do carro tinha de pedir ajuda à outra mão. Desta feita não foi preciso. Houve empeno, claro que houve. Apercebi-me que eu terei sido dos menos experientes em distâncias assim, tão longas. Nunca havia feito mais de 6 hrs seguidas a pedalar, e nessa altura foram também 84 kms, numa maratona para esquecer (Viana, 1ª edição).
Ontem completei os 126 kms acusados pelo meu conta-quilómetros em 9h e 28 minutos. Hoje recebi uma mensagem da organização informando-me que havia concluído os 110 kms em 8h e 23'. Portanto, a 23' do objectivo. A queda e aquela "perdição" com os outros dois comparsas não me permitiram alcançar o almejado objetivo. Mas, como dizia ontem, estou com a auto-estima em alta e satisfeito com o meu desempenho.
A organização
Por vezes, os muitos aspectos positivos podem ser atraiçoados por apenas um ou dois aspectos negativos. Foi o caso da organização deste evento.
Os aspectos positivos têm a ver com a escolha do percurso, simplesmente fantástico, a despeito dos 2800 metros de acumulado em subida, mas é assim mesmo. A diferenciação das partidas, logo no início, e a delimitação da chegada, criando um corredor próprio, assim como a orientação do tráfego privilegiando a presença dos ciclistas em detrimento dos automobilistas, por parte da GNR, foi fantástico, também. O fornecimento de água no final, que é uma obrigatoriedade, mas estava lá. E o apoio e a preocupação da organização com os ciclistas no geral, é algo que se respira. Os serviços todos próximos na chegada, como as lavagens das biclas, mais os banhos na piscina. Tudo impec.
O que é que não esteve bem? Primeiro aspeto, e muito determinante numa organização, o anúncio da distância real, mesmo que por aproximação. Dizer que um percurso tem 110 kms é uma coisa, até pode ter mais 5, mas no final constatar que afinal são mais de 20 kms, faz a diferença de uma hora ou mais. Influencia a gestão dos líquidos e sólidos. Eu, por exemplo, rejeitei a oferta de água de populares porque pensava, na minha ingenuidade, que estaria muito próximo. Ainda tive de fazer mais 60'!! E influencia-nos psicologicamente. Naturalmente que após 8 horas a pedalar desejamos acabar quando perspetivamos esse tempo para a conclusão do evento. Verificar que afinal ainda temos uma hora pela frente ou sequer que não sabemos quanto tempo ainda temos pela frente é angustiante. Note-se que muitos participantes estão nos seus limites psicológicos ou físicos ou ambos. Não se faz. Até porque se tivessem anunciado que seriam 120 kms seriam exatamente os mesmos a participarem. A questão não se prende com a distância em si.
A outra falha grave foi terem anunciado um abastecimento aos 84 kms e nós nem vê-lo. Teria sido preferível fazer como no outro abastecimento, que não era esperado, ao km 50. Agora, contar com água, já só falando deste aspecto, e nada?! também foi mau. Disto irei dar conta no devido lugar a quem de direito.
Eu adorei, como já disse, e mais digo; até gostaria de fazer uma prova que cruzasse dois dias; isto é, saída no sábado e chegada no domingo, com percurso nocturno ou o caneco. Eu até alinhava numa coisa assim. Teria apenas de ter garantias de algumas coisas.
Curiosidades
- Ao longo do percurso, cruzei-me com cobras, por duas ou três vezes. Num caso não a tracei por uma unha. Não que o desejasse, mas ela estava ali na esplanada, a banhos, e eu só me apercebi quando ela decidiu que estava na hora duma ida à toilete.
- As pessoas são generosas. Desta feita, não houve grande aglomerado de gentes em nosso redor. O trajeto passou bem próximo de Ponte de Lima, Barcelos, Serra d'Arga...mas, aqui e ali recebi palminhas de famílias que admiraram a nossa ousadia. Sempre que pude retribui, houve casos em que não deu, sob pena de perder a focagem.
- As nossas mulheres são fantásticas e nem sempre julgamos o quanto podem sofrer só por nos julgarem em sofrimento. A minha, por exemplo, enfermeira e competente, ficou aflita/preocupada/sem pinga de sangue quando me viu. Disse-me logo "vamos já ao hospital". Tive de ser eu a animá-la, gracejando aqui e acoli porque a sua expressão era muito tensa. De fato, a gente inscreve-se nestas coisas e nem pensa que estado de alma terão as nossas jeitosas. Claro que pensam sempre que vai correr tudo bem, e confiam na nossa confiança, porque a transmitimos amiúde. Mas, a coisa pode correr para o torto, de fato. No ano passado, após um treino na barragem da Aguieira, apercebi-me de algumas preocupações que normalmente não nos assaltam o espírito. Dizia-me ela após uma hora e muito de idas e regressos pela travessia da dita "e se te acontece alguma coisa e ficas ali?" Um beijinho muito grande para ti, querida.
- Tenho um jovem amigo que é especial. Seu nome Hugo Rocha, mais conhecido por Rochinha. Foi ele quem me "impingiu" até hoje todas a biclas que tenho para treinar e competir, e ajuda-me imenso quando compro tanta coisa lá na loja. Mas, ele também é da organização e um dos responsáveis pela escolha dos percursos. Se o Luso Galaico é o que é hoje, muito se deve ao amigo Hugo, como eu o trato. Foi ele quem me emprestou o GPS. Foi ele quem me facultou um pneu à descrição, caso precisasse de o usar. Só não me facultou um "drop-out" porque estavam esgotados. E é com ele que tenho de falar sobre aquelas falhas eheheheh. Mas, é uma pessoa incansável. Um enorme abraço, Hugo.
- O Luso Galaico é um enorme evento de BTT. Arrisco-me a dizer o melhor ou um dos melhores no panorama nacional. A partida, mesmo sendo realizada numa marginal espaçosa, demora seguramente mais de 20' a concluir após o aperto na corneta. De cada vez que participo enriqueço o meu conhecimento sobre os trilhos que circundam o Concelho. Acredito que a experiência deste ano no Extreme irá estender-se a bem mais participantes no próximo ano, caso se repita.
- Os meus treinos de natação vão parar. São os riscos que esta modalidade tem. Acontecendo um azar as marcas podem abraçar outras áreas do treino. Por isso compreendo que os triatletas tenham de ter muito cuidado na gestão de provas outsider que pretendam fazer. O último post do Llanos mostra-nos o craque num vídeo por si concebido e em tempo de preparação para o Ironman no Texas, descendo um trilho de BTT, precisamente. Não será demasiado arriscado? E falando em treinos, hoje estava preparado para rodar 90' em estrada, bicicleta, claro. Só que o assado está tão quente que vou deixar arrefecer para amanhã.
Meus caros seguidores/leitores, termino esta minha odisseia com a promessa que tudo estou a fazer para regressar às lides da modalidade que amamos. Se for em Peniche, que seja. Se for mais tarde, também não há crise. Quero é regressar.
Antes de acabar, envio daqui para os States, concretamente para Mountain View, Califórnia, um grande e forte abraço para agradecer a fidelidade de alguém cuja paciência para ir lendo estes dislates que aqui vou deixando não tem limite.
Abraços triatléticos e até breve, companheiros.
4 comentários:
assim..., sim!!! quando o relato é (quase)maior do que a aventura, é sinal que ela vai "viver" por muito mais tempo...
venha a próxima :-P
Peniche??? olha que belo triatlo para se iniciar uma época ;-)
forte abraço
Que grande Odisseia. Ufa que grande relato. Que seja Peniche, lá estaremos.
Um abraço,
Paulo Pitarma
Que belo relato!
Parabéns (pelo relato e pela aventura)!
Boa recuperação!
Um abraço!
Parabens amigo João. É um exemplo como pessoa e como atleta. Grande abraço!
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