Café Virtual: à mesa com...Carlos Sá!

23/04/11




Foto: @cjimenez

Hoje trago-vos um atleta de eleição. Seu nome Carlos Sá. Será um dos maiores ultramaratonista portugueses e da Europa da atualidade, atleta ímpar das provas de resistência e em relação ao qual a sociedade em geral começa a despertar não apenas para os seus feitos, mas igualmente, por arrasto, para as provas de montanha.
Do seu currículo, destaco no ano de 2010 o 2º lugar no Circuito Alpino, uma prova constituída por etapas, o 1º lugar na Maratona Alpina Penedos do Lobo, 1º no Grand Raid des Pyrénées (160 kms) e 1º nos 101kms Peregrinos. 
Nascido em Vilar do Monte, Barcelos, há 37 anos, Carlos Sá é uma pessoa cuja vida é ...normal; casado, dois filhos, um de 11 anos e outro de 6, atleta amador, mas com uma dedicação enorme. Carlos mostrou-se sempre muito compreensivo para comigo, uma vez que esta entrevista estava aprazada há imenso tempo e não foi por ele que ela ainda não havia saído. Obrigado, Carlos.

TriatloMania (TM): Bom, acabaste de concluir talvez a mais mítica provação a que um atleta se pode sujeitar...a Maratona das Areias (em português). Que te deu para te inscreveres numa empreitada assim?
Carlos Sá (CS): Qualquer atleta de ultra fundo que corre na Natureza tem como objetivo participar nas mais emblemáticas provas Mundiais. Esta é sem duvida uma delas.
 TM: Não te assustou as condições de realização da mesma? Isto é, todos tiveram que transportar um kit de sobrevivência e isto quer dizer muito. No mínimo, quer dizer que há um risco para a vida humana...Sentiste de algum modo e em qualquer momento a tua vida em risco? Ou situações que a pudessem colocar nessa posição?
 CS Sim, mas também tenho já larga experiência na montanha e isso ajuda, contudo a preocupação era evidente. Mais assustada estava a família e isso preocupava-me mais.
DSC_3915.JPG
Foto: Covadonga CUE/MDS 2011
TM Bom, mas fiz-te a pergunta óbvia (o objetivo da tua participação). O mais interessante será saber das tuas sensações antes, durante e após este quase sobre humano desafio. Como o encaraste?
 CS:  A meio da etapa de 82kms estava já muito mal, parecia que ia desmaiar (só no dia seguinte é que soube que tínhamos atingido um pico de 57 graus). Sentei-me, bebi toda a água que tinha, meti 3 pastilhas de sal e 2 geis energéticos e comecei a pensar em todos os emails que recebia e com medo de defraudar toda aquela gente, assim como os meus amigos. Encontrei forças e comecei a caminhar e de seguida a correr novamente. Inicialmente o meu objetivo era acabar e tirar conhecimentos para no futuro estar mais forte e tentar entrar no mais famoso top 10 Mundial.
TM Relembra-nos as etapas da prova...
IMG_9179.JPG
Foto: COVADONGA CUÉ/ MDS 2011
CS:  1ª etapa 33km, 2ª 38, 3ª 38, 4ª 82, 5ª, 42,6ª 18. Total: 250km em 7 dias
TM Impressionante!
CS: A etapa de 82 kms tinha um tempo máximo de 34h. Como eu fiz 8h15min, ganhei um dia de descanso.
TM Que preparação específica fizeste para o evento?
 CS Nada de especial. Treinei como o faço sempre para a Montanha. Na verdade, tinha vários planos para preparar esta        prova, mas por questões de falta de tempo não os pude por em prática.
 TM Mas, a situação (terreno, clima, necessidades alimentares/hídricas, condições de descanso...) não são diferentes?
 CS: Segundo o meu treinador, Paulo Pires, formado em desporto de alto rendimento e Nutrição, seria importante fazer Sauna para desidratar e treinar no fim para o corpo se adaptar. Mas tenho 2h por dia para treino e era necessário fazê-las a correr mesmo. Assim, fiz em média somente 150km semanais, enquanto os 50 primeiros fazem em média 250km.
      TM a diferença é grande, de fato
 CS:  Para terminar o treino, outra solução prática que queria testar era isolar-me uma semana, no Gerês, por exemplo, e testar a alimentação. Eu levei massas liofilizadas, barras e geis. No total 17.000 kc e um peso de 5.5kg. Era possível com apoio nutricional e trocar esta comida solida por pó, tipo proteína....que pesava menos de metade. Só que tinha que testar isto e como o trabalho não deu...
TM Então, quer dizer que o teste no Gerês...ficou incompleto.
 CS Fica para o ano (risos), no Gerês ou em outro sitio onde não tenh a possibilidade de adquirir outros alimentos, porque     nos dois últimos dias passei alguma fome e se estivesse em casa não sei se resistia.
 TM Antes de iniciares a contenda, o que te assustava mais?
 CS:  Sendo a 1ª participação tinha muitas duvidas como o corpo ia reagir a tal esforço. Era a minha primeira prova por etapas e logo naquelas condições e com o top Mundial. Como treino pouco, normalmente dou tudo numa prova de uma só etapa e depois ando uma semana a pagar, mas consigo (risos). Ali, tinha que aprender e não entrar em loucuras. Fi-lo de uma forma brilhante e saiu-me bem.
 TM Já que falas nos outros atletas, que tipo de atletas participam neste eventos?
 CS: De todo o tipo. O Suiço que ficou à minha frente é triatleta. O Italiano que ficou atrás de mim é um dos melhores ultra trails de Italia.
 TM Muito bom.
 CS Os Marroquinos e Jordanos dominam os circuito de provas dos desertos.
 TM Nunca te assustou seres mordido por algum bicharoco daqueles bem venenosos?
 CS Sim.
TM Ocorreram situações dessas?
CS: Só dormi bem duas noites e uma delas tive que pedir a um Espanhol um comprimido. Há um estudo que  refere que todos os anos em cada 100 desistências 25 são de mordidas.
TM 25%, portanto. Terrível.
CS: Na minha tenda e na malta com quem me relacionava não aconteceu nada. Um dos espanhóis que no ano passado não tinha terminado, acordaram-no com um escorpião em cima do saco cama.
TM: Ah! queres dizer que essas situações não ocorriam durante a prova, mas enquanto o pessoal estava a descansar...
CS...durante a noite, altura em que as temperaturas atingem valores negativos, os escorpiões procuram sitios quentes e normalmente metem-se nas sapatilhas. A malta de manhã vai calçar e pimba. Tinha sempre o cuidado de sacudir todo o material.
TM O que faz parte dum kit de sobrevivência?
CS Tinhamos uma seringa de extração de veneno, um anti-séptico e um foguete para lançar, se caso acontecesse alguma coisa vinham de imediato os helicópteros.
TM ...e medicação? que quantidade de água podiam transportar por dia, alimentos...etc.
     CS: Eu levava, anti-inflamatórios, mágnesio, vitaminas...comia 3 massas liofilizadas por dia; manhã, fim da etapa e antes de deitar. A organização dá uma garrafa de água de manhã.
TM E durante as etapas, que alimentação e líquidos ingerias?
CS: Eles forneciam uma garrafa de água de 10 em 10km, mais ou menos.
TM (risos) Uma garrafinha de água?
CS: Também  4 garrafas ao chegar à meta, para o resto da tarde e noite. No total e em media 12 litros. Mesmo assim tinha sempre a sensação de sede.
TM:  E como obtêm os alimentos?
CS Vai tudo na mochila, às costas.
TM Durante uma semana?
CS: Temos que comprar cá e levar já a mochila pronta.
TM: Quer dizer que não há reforço alimentar durante a prova...
CS: Não. Comecei com 9.5kg, fora a água, e a fazer uma média final de 10.44k/h, numa estreia. Para mim foi fabuloso.
TM: Impressionante!
IMG_6936.JPG
Foto: Covadonga CUE/MDS 2011

CS Acho que só quem entende de treino e deste tipo de provas tem a dimensão daquilo que eu fiz. Os Marroquinos têm muitos truques e levam material muito técnico. Partem com 6.5kg, que é o mínimo obrigatório.
Três kg a mais, vezes 250000m dá muita energia desperdiçada (risos).
TM Após as etapas iniciais houve imensas desistências....porquê?
CS Quatro/Cinco helis no ar, Tv´s de todo o mundo, e muita muita ansiedade; eles estão cheios de força e esgotam-se em uma hora (risos). 
TM: Eu não queria antecipar-me, mas posso já fazer esta pergunta que tinha guardado mais lá para a frente...Ultimamente tens dado imensas entrevistas e portanto dado a conhecer a tua modalidade e o teu esforço, consideras-te um herói nacional?
CS: Claro que não. Sou uma pessoa igual a muitas outras. Só que acredito nas minhas capacidades e trabalho muito, mas as coisas não caiem do céu. Tive a sorte e habilidade de juntar à minha volta toda uma equipa que me dá condições mínimas para o sucesso. A começar na família, que me apoia, no meu treinador, na médica fisiatra (Maria), no Rui Ribeiro que criou e atualiza o meu blog, em alguns patrocínios que me ajudam a pagar inscrições, etc.
TM: Voltando à prova...quais as maiores dificuldades durante as etapas? O calor, o pó e a respiração, a necessidade de hidratar, o terreno...?
CS: Penso que tudo junto resulta numa grande dificuldade; o terreno é muito diverso, desde as dunas a subidas empedradas. Chamam-lhes Montanha. As planícies não têm fim à vista.
TM Nesse sentido, qual o calçado ideal para uma prova destas, partindo do princípio que apenas levaste um par.
     CS: Claro. Só um e levei uns chinelos para andar no fim das etapas, mas tive que os despachar antes de começar era muito peso e achei aquilo um luxo. As sapatilhas ideais são as mesmas com que corro na Montanha. Outros levaram sapatilhas de estrada, mas penso que não são boas. Há muita pedra e pisa muito os pés por baixo.
     TM: Já agora, fala-me da logística da prova: preço da inscrição, o que inclui e não inclui, o transporte, a guarda dos objetos pessoais, comunicações, acompanhamento do staff, se há possibilidade, recuperação no final das etapas, assistência médica...
    CS: A organização é cinco estrelas. Pagamos 3300€, temos direito a viagem desde Madrid até ao 1º acampamento. Aí, chegados, e já ao fim da tarde, dormimos e jantamos comida oferecida pela organização. O dia seguinte é para a climatização e mostra do material obrigatório. A alimentação é por conta da organização. Terceiro dia estamos por nossa conta e só podemos sobreviver com o que temos na mochila durante os 7 dias de prova. No final, vamos 2 dias para uma cidade, neste caso Oarzarsate, e temos tudo pago, hotel e alimentação, assim com a viagem de regresso.
     TM: ...
     CS: No dia de apresentação do material despachamos o que não queremos levar às costas e eles guardam as mochilas. É claro que os valores vão às costas, não vá a mochila perder-se. No total, mais a viagem para Madrid e a alimentação que levei, assim como outras despesas de material, gasta-se mais de 4000€. É muito caro e sem apoios não seria possível.
TM: Descansavas o suficiente durante a noite?
CS Por incrível que pareça, tirando a etapa de 82 km, corri as outras em mais ou menos 3,30h. No final de cada etapa, devo ter gasto 30 minutos a procurar vegetação seca para fazer fogo para aquecer água para juntar às massas, e mais 30 minutos a ver as classificações e depois  ficava deitado a descansar. Não tinha vontade e energia para fazer mais nada.  Sentia-me cansado e era uma preocupação; será que amanhã já vou estar recuperado? Estava sempre na minha cabeça isto. Então, punha os pés em cima da  mochila e tentava descansar o máximo. Tinha também que tratar das botas e feridas nos pés. No final de cada etapa era assim, como no inicio da seguinte. Voltando à logística; sempre que as equipas médicas assistiam um atleta, por exemplo, e estávamos desidratados e era-nos dado soro, isso custava-nos horas no final, porque eram assistências com penalização. No final da segunda etapa estava já muito mal dos dedos...
TM Mas, isso ainda era só o início...
CS Sofri muito, mas depois dei um pontapé num calhau e pensei ter partido o dedo grande do pé direito. Ficou muito mal, todo pisado. Eram dores horríveis. Aí, os voltarenes ajudaram muito. Depois da 5ª etapa, e devido ao esforço extremo, fiz uma lesão num tendão de um gémeo. Mal podia andar.
TM: Mas, ainda assim corrias.
CS: Faltavam somente 18km e estava a ver que ia morrer na praia, mas com muito sacrifício consegui segurar o 8º lugar. Os primeiros 3 km dessa etapa foram a mancar, mas não era o único (risos). Depois de aquecer melhorava um pouco.
     TM Vamos passar a outra parte da entrevista...Como aparece esta coisa das provas de Montanha na tua vida? Bateste com a cabeça no rodapé ou que aconteceu? (risos)
CS: É melhor, porque podia estar a noite toda a escrever que não conseguia transmitir metade do que se vive lá. Corri até aos 19 anos e depois foi fiquei sedentário. Tinha 92kg, fumava, bebia, etc...
TM: Essa estória não me é estranha, sabias?
CS ...até que o meu filho começa com um anito a meter paus à boca e aquilo chocou-me. Decido mudar de vida e começo a fazer montanha no Amigos da Montanha.
TM: Por influência de alguém ou por curiosidade? Há quantos anos foi isso?
CS Surge uma oportunidade em 2003 de fazer uma expedição de alpinismo no Perú, com o João Garcia, e fizemos uma grande expedição; 4 cumes de mais de 5500m, em 20 dias. Começamos 4 elementos a planear escalar a 6ª montanha mais alta do Mundo: Cho Oyo, com 8201m. Não tinha experiência até 2003,  tirando passeios no Gerês. Fiz toda a formação nos Amigos da Montanha. E há pessoas que têm dons naturais, que em dias aprendem e põem em pratica aquilo que outros demoram anos ou nem conseguem evoluir.
 TM: Foi o teu caso.
 CS: Em pouco tempo era já a uma referencia fisica e técnica no grupo de Montanheiros dos AM.
 TM Espetáculo.
 CS Para se estar a mais de 8000m de altitude com 30/40% de oxigénio estamos por nossa conta. E tinha a consciência que teria de estar no máximo das minhas capacidades físicas. Assim, encontrei na corrida a forma de treinar e como fazia montanha, porque não correr na montanha?
TM:  Mas, na altura não havia muita gente praticante desta variante da corrida a pé, pois não?
CS: Já havia muita malta a correr o circuito Salomon, provas até 13km. Provas longas havia dois ou três, depois a malta passou a ir para Espanha e aí começo logo a dar nas vistas, até que surge um desafio de um amigo para participar na 1ª edição da Ultra Trail Da Geira. Nunca tinha corrido mais que a meia maratona, mas aceitei o desafio, fui lá e sem saber como fiquei em 2º, entre 200 participantes. Nunca mais parei e no ano seguinte voltei e ganhei e fiz mais umas ultras ficando sempre nos dois primeiros. No ano seguinte corri pela 1ª vez uma ultra, em Espanha, de 100km e ganho, meses depois corro pela 1ª vez em França 160km e ganho.
TM: Como te preparas numa semana normal de treinos?
     CS: No domingo à noite envio o microciclo da semana ao meu treinador e ele avalia os dados e prepara a seguinte. Nunca sei o que vou fazer na semana que se inicia. Mas normalmente 2ª feiras é treino de recuperação, só rolar e fins de semana tareias com muitos km. Ele planeia avaliando a Frequência Cardíaca.
    TM Para te preparares para provas cujas distâncias são tão longas, como organizas, ou o teu treinador, os teus treinos?
    CS Faço treinos de 90 a 120 min durante a semana, alguns deles com grande intensidade, para optimizar  o ritmo cardiovascular . Por exemplo, 90 min em monte, com declives, e a FC média de 150ppm.  Faço 22/23km  aos fins de semana, treinos longos para 4/5/6h. Nunca treino mais que isso. Nesses treinos procuro ritmos médios de 10/11k/h e FC 115/120 bpm. A minha FC em repouso situa-se entre 32/40, conforme o volume de treino e cansaço do dia a dia. 
TM Que treinos de qualidade fazes? Tipo séries...
CS Intervalados, tipo 20min a 155 bpms ou  5 x a 120 x 8/10. Como treino sempre em Monte tem que ser assim. Nunca faço estrada ou pista.
TM O que te estimula correr em montanha?
CS Procuro desafios e a superação dos meus limites. A Maratona das Areias foi um enorme desafio onde me dei bem e quero repetir. Quero também experimentar novos desafios, como correr a Spartatlon na Grecia - 247km numa só etapa, em estrada.
TM Como concilias esta atividade com a vida familiar? e como é que eles vêm esta tua dedicação?
CS: Com muita organização e com a ajuda deles. Só para teres uma ideia, o meu filho com 11 anos faz o jantar praticamente todos os dias. E fá-lo com gosto, tal como eu fazia com a idade dele, tivesse ele a mesma paixão por estudar: (risos)
TM Tens tempo para mais alguma coisa...?
 CS: Deixo muita coisa que gostava por fazer...mas sinto-me feliz com aquilo que consigo fazer.
      TM Como é o teu cuidado com a nutrição...
CS Não é diferente do de outros atletas. O peso é importante nesta atividade e devemos evitar as comidas muito calóricas.
TM: E  apoios?
CS: No ano passado não tinha nenhuns tirando algumas inscrições dos Amigos da Montanha. Este ano as coisas mudaram e já tenho material de La Sportiva; dá-me sapatilhas. E a d´Maker, mais algum material técnico. A nível financeiro, tenho a Câmara de Barcelos, os AM e a ChaYmit. Tenho também a Clínica Fisívida em Barcelos e a Drª Maria Cunha de Aveiro, que me faz a reabilitação Física. E estou a começar a trabalhar com a universidade de desporto do Porto e Centro de Motricidade Humana para fazer testes e tentar evoluir mais ainda.
TM Uma colega tua esteve presente numa ação de formação sobre nutrição, organizada pela FTP. E uma questão que ela colocou foi que o seu organismo não conseguia ingerir nada a partir de um determinado volume de horas em prova. A questão era a seguinte: o que ingerir. Na altura incentivei-a a falar contigo dada a experiência que tens na modalidade. Que aconselharias a uma pessoa nestas circunstâncias?
 CS: Tento nas grandes ultras ingerir solidos e comida quente, como sopa, massa, café, chá, etc...O grande erro é os atletas tentarem correr 20/30h, ou mais, apenas com aquilo que nos vendem e que parecem milagrosos; os geis e barras. São importantes, mas começamos a ficar enjoados e não conseguimos digerir os alimentos.
TM Como te preparas para uma prova de 160 kms em que tens de correr de noite?
 CS Com frontal. Infelizmente, passo o Inverno todo no meio do monte a correr de frontal. É tudo treino (risos). Só para teres uma ideia, uma prova como a dos Pireneus, de 160km, com 20.000 m de desnível, tinha abastecimentos de 10 em 10km, mais ou menos. Eu ingeria em cada 10 km um bidão de coca-cola ou isotónico e outro de água. Portanto, meio litro. Os atletas só começam a  preocupar-se com a desidratação quando têm sede, mas já é tarde.
TM:  Material necessário para quem pretenda iniciar-se na modalidade.
CS Sapatilhas é o mais importante.
TM:  Que sapatilhas? Já ouvi falar que devem ser impermeáveis, já ouvi dizer que não...em que ficamos?
CS Eu não concordo com as impermeáveis. A água entra sempre e tem menor capacidade de transpiração. Depois, bom amortecimento e bom piso, para não ir falésia abaixo
 TM ...e roupa? Numa montanha nunca se sabe bem que tempo iremos apanhar.
CS Se for uma ultra consta no material obrigatório corta vento, frontal, calças ou corsários, assim como uma muda de camisola e sapatilhas em pontos de abastecimentos.
TM: Treino técnico, é necessário? 
CS Tem de se aprender a correr com muito calhau e evitar lesões. A agilidade e rapidez de reação é fundamental, mas isso aprende-se participando.
TM: A técnica a subir e a descer...
    CS: Em subidas fortes, cabeça a bater no chão e as mãos a fazer impulso nos joelhos. Assim poupamos os gémeos. A descer, manter o equilíbrio e ser rápido a reagir. Nas subidas fortes é  caminhar alternando com pequenos trotes. Eu vou sempre no limite, mas quem faz um Monte Branco em 44 h pode descansar uma horita.
Eu vou tentar fazer 22/23h, é sempre a abrir.
TM Todo o percurso numa montanha é feito correndo? e de noite? nunca se dorme?
 CS: Devido ao cansaço, passamos horas complicadas. A coca cola e o café ajuda. Nos Pirenéus estive três noites sem dormir. Sim, sem dormir corri durante 26h e 40min. Só que a prova começava às 5 da manhã e não consegui dormir. Depois, passei o dia e noite a correr, e no dia e noite seguinte também não consegui dormir. O relógio biológico fica todo alterado e é complicado, depois temos também a emoção.

TMDos teus imensos feitos, há algum que destaques, que te dê particular orgulho?
CS: Talvez este ultimo. Todos foram marcantes, mas este nas condições que fui e fazer o que fiz não estava nada à espera.
TM: Quais os teus maiores objetivos para este ano?
CS: Entrar nos 5 primeiros do Ultra Trail do Monte Branco.



 


TM: Onde está a nata do mundo
CS: Sim.
Tm: Carlos, boa sorte e vamos continuar atentos às tuas façanhas. Obrigado.

FIM







4 comentários:

Hugo Gomes disse...

Grande Carlos Sá!

Nunca é demais dar os parabéns a este homem.

Força Carlos!

sica disse...

Sem dúvida um atleta que admiro muito, umexemplo de dedicação para todos os atletas amadores e para todos aqueles que dizem que não têm tempo para a prática desportiva.
Este homem para além de um trabalho como todos os comuns mortais, ainda consegue dedicar-se para se bater de igual para igual com atletas que têm condições e apoios fantásticos.
Gostei muito da entrevista, obrigado João por nos teres dado a conhecer este super atleta.

Anónimo disse...

Fabulastico. Mais uma grande entrevista.
Um abraço.
Paulo Pitarma.

Unknown disse...

Mais um grande abraço para este atleta. É sempre um exemplo a seguir.
Ao entrevistador também!!! Continuem os dois assim dedicados ao desporto.