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Hoje trago-vos um atleta de eleição. Seu nome Carlos Sá. Será um dos maiores ultramaratonista portugueses e da Europa da atualidade, atleta ímpar das provas de resistência e em relação ao qual a sociedade em geral começa a despertar não apenas para os seus feitos, mas igualmente, por arrasto, para as provas de montanha.
Do seu currículo, destaco no ano de 2010 o 2º lugar no Circuito Alpino, uma prova constituída por etapas, o 1º lugar na Maratona Alpina Penedos do Lobo, 1º no Grand Raid des Pyrénées (160 kms) e 1º nos 101kms Peregrinos.
Nascido em Vilar do Monte, Barcelos, há 37 anos, Carlos Sá é uma pessoa cuja vida é ...normal; casado, dois filhos, um de 11 anos e outro de 6, atleta amador, mas com uma dedicação enorme. Carlos mostrou-se sempre muito compreensivo para comigo, uma vez que esta entrevista estava aprazada há imenso tempo e não foi por ele que ela ainda não havia saído. Obrigado, Carlos.
TriatloMania (TM): Bom, acabaste de concluir talvez a mais mítica provação a que um atleta se pode sujeitar...a Maratona das Areias (em português). Que te deu para te inscreveres numa empreitada assim?
Carlos Sá (CS): Qualquer atleta de ultra fundo que corre na Natureza tem como objetivo participar nas mais emblemáticas provas Mundiais. Esta é sem duvida uma delas.
TM: Não te assustou as condições de realização da mesma? Isto é, todos tiveram que transportar um kit de sobrevivência e isto quer dizer muito. No mínimo, quer dizer que há um risco para a vida humana...Sentiste de algum modo e em qualquer momento a tua vida em risco? Ou situações que a pudessem colocar nessa posição?
CS: Sim, mas também tenho já larga experiência na montanha e isso ajuda, contudo a preocupação era evidente. Mais assustada estava a família e isso preocupava-me mais.
Foto: Covadonga CUE/MDS 2011 |
TM: Bom, mas fiz-te a pergunta óbvia (o objetivo da tua participação). O mais interessante será saber das tuas sensações antes, durante e após este quase sobre humano desafio. Como o encaraste?
CS: A meio da etapa de 82kms estava já muito mal, parecia que ia desmaiar (só no dia seguinte é que soube que tínhamos atingido um pico de 57 graus). Sentei-me, bebi toda a água que tinha, meti 3 pastilhas de sal e 2 geis energéticos e comecei a pensar em todos os emails que recebia e com medo de defraudar toda aquela gente, assim como os meus amigos. Encontrei forças e comecei a caminhar e de seguida a correr novamente. Inicialmente o meu objetivo era acabar e tirar conhecimentos para no futuro estar mais forte e tentar entrar no mais famoso top 10 Mundial.
TM: Relembra-nos as etapas da prova...
Foto: COVADONGA CUÉ/ MDS 2011 |
CS: 1ª etapa 33km, 2ª 38, 3ª 38, 4ª 82, 5ª, 42,6ª 18. Total: 250km em 7 dias
TM: Impressionante!
CS: A etapa de 82 kms tinha um tempo máximo de 34h. Como eu fiz 8h15min, ganhei um dia de descanso.
TM: Que preparação específica fizeste para o evento?
CS: Nada de especial. Treinei como o faço sempre para a Montanha. Na verdade, tinha vários planos para preparar esta prova, mas por questões de falta de tempo não os pude por em prática.
TM: Mas, a situação (terreno, clima, necessidades alimentares/hídricas, condições de descanso...) não são diferentes?
CS: Segundo o meu treinador, Paulo Pires, formado em desporto de alto rendimento e Nutrição, seria importante fazer Sauna para desidratar e treinar no fim para o corpo se adaptar. Mas tenho 2h por dia para treino e era necessário fazê-las a correr mesmo. Assim, fiz em média somente 150km semanais, enquanto os 50 primeiros fazem em média 250km.
TM: a diferença é grande, de fato
CS: Para terminar o treino, outra solução prática que queria testar era isolar-me uma semana, no Gerês, por exemplo, e testar a alimentação. Eu levei massas liofilizadas, barras e geis. No total 17.000 kc e um peso de 5.5kg. Era possível com apoio nutricional e trocar esta comida solida por pó, tipo proteína....que pesava menos de metade. Só que tinha que testar isto e como o trabalho não deu...
TM: Então, quer dizer que o teste no Gerês...ficou incompleto.
CS: Fica para o ano (risos), no Gerês ou em outro sitio onde não tenh a possibilidade de adquirir outros alimentos, porque nos dois últimos dias passei alguma fome e se estivesse em casa não sei se resistia.
TM: Antes de iniciares a contenda, o que te assustava mais? CS: Sendo a 1ª participação tinha muitas duvidas como o corpo ia reagir a tal esforço. Era a minha primeira prova por etapas e logo naquelas condições e com o top Mundial. Como treino pouco, normalmente dou tudo numa prova de uma só etapa e depois ando uma semana a pagar, mas consigo (risos). Ali, tinha que aprender e não entrar em loucuras. Fi-lo de uma forma brilhante e saiu-me bem.
TM: Já que falas nos outros atletas, que tipo de atletas participam neste eventos?
CS: De todo o tipo. O Suiço que ficou à minha frente é triatleta. O Italiano que ficou atrás de mim é um dos melhores ultra trails de Italia.
TM: Muito bom.
CS: Os Marroquinos e Jordanos dominam os circuito de provas dos desertos.
TM: Nunca te assustou seres mordido por algum bicharoco daqueles bem venenosos?
CS: Sim.
TM: Ocorreram situações dessas?
CS: Só dormi bem duas noites e uma delas tive que pedir a um Espanhol um comprimido. Há um estudo que refere que todos os anos em cada 100 desistências 25 são de mordidas.
TM: 25%, portanto. Terrível.
CS: Na minha tenda e na malta com quem me relacionava não aconteceu nada. Um dos espanhóis que no ano passado não tinha terminado, acordaram-no com um escorpião em cima do saco cama.
TM: Ah! queres dizer que essas situações não ocorriam durante a prova, mas enquanto o pessoal estava a descansar...
CS: ...durante a noite, altura em que as temperaturas atingem valores negativos, os escorpiões procuram sitios quentes e normalmente metem-se nas sapatilhas. A malta de manhã vai calçar e pimba. Tinha sempre o cuidado de sacudir todo o material.
TM: O que faz parte dum kit de sobrevivência?
CS: Tinhamos uma seringa de extração de veneno, um anti-séptico e um foguete para lançar, se caso acontecesse alguma coisa vinham de imediato os helicópteros.
TM: ...e medicação? que quantidade de água podiam transportar por dia, alimentos...etc.
CS: Eu levava, anti-inflamatórios, mágnesio, vitaminas...comia 3 massas liofilizadas por dia; manhã, fim da etapa e antes de deitar. A organização dá uma garrafa de água de manhã.
TM: E durante as etapas, que alimentação e líquidos ingerias?
CS: Eles forneciam uma garrafa de água de 10 em 10km, mais ou menos.
TM: (risos) Uma garrafinha de água?
CS: Também 4 garrafas ao chegar à meta, para o resto da tarde e noite. No total e em media 12 litros. Mesmo assim tinha sempre a sensação de sede.
TM: E como obtêm os alimentos?
CS: Vai tudo na mochila, às costas.
TM: Durante uma semana?
CS: Temos que comprar cá e levar já a mochila pronta.
TM: Quer dizer que não há reforço alimentar durante a prova...
CS: Não. Comecei com 9.5kg, fora a água, e a fazer uma média final de 10.44k/h, numa estreia. Para mim foi fabuloso.
TM: Impressionante!
Foto: Covadonga CUE/MDS 2011 |
CS: Acho que só quem entende de treino e deste tipo de provas tem a dimensão daquilo que eu fiz. Os Marroquinos têm muitos truques e levam material muito técnico. Partem com 6.5kg, que é o mínimo obrigatório.
Três kg a mais, vezes 250000m dá muita energia desperdiçada (risos).
TM: Após as etapas iniciais houve imensas desistências....porquê?
CS: Quatro/Cinco helis no ar, Tv´s de todo o mundo, e muita muita ansiedade; eles estão cheios de força e esgotam-se em uma hora (risos).
TM: Eu não queria antecipar-me, mas posso já fazer esta pergunta que tinha guardado mais lá para a frente...Ultimamente tens dado imensas entrevistas e portanto dado a conhecer a tua modalidade e o teu esforço, consideras-te um herói nacional?
CS: Claro que não. Sou uma pessoa igual a muitas outras. Só que acredito nas minhas capacidades e trabalho muito, mas as coisas não caiem do céu. Tive a sorte e habilidade de juntar à minha volta toda uma equipa que me dá condições mínimas para o sucesso. A começar na família, que me apoia, no meu treinador, na médica fisiatra (Maria), no Rui Ribeiro que criou e atualiza o meu blog, em alguns patrocínios que me ajudam a pagar inscrições, etc.
TM: Voltando à prova...quais as maiores dificuldades durante as etapas? O calor, o pó e a respiração, a necessidade de hidratar, o terreno...?
CS: Penso que tudo junto resulta numa grande dificuldade; o terreno é muito diverso, desde as dunas a subidas empedradas. Chamam-lhes Montanha. As planícies não têm fim à vista.
TM: Nesse sentido, qual o calçado ideal para uma prova destas, partindo do princípio que apenas levaste um par.
CS: Claro. Só um e levei uns chinelos para andar no fim das etapas, mas tive que os despachar antes de começar era muito peso e achei aquilo um luxo. As sapatilhas ideais são as mesmas com que corro na Montanha. Outros levaram sapatilhas de estrada, mas penso que não são boas. Há muita pedra e pisa muito os pés por baixo.
TM: Já agora, fala-me da logística da prova: preço da inscrição, o que inclui e não inclui, o transporte, a guarda dos objetos pessoais, comunicações, acompanhamento do staff, se há possibilidade, recuperação no final das etapas, assistência médica...
CS: A organização é cinco estrelas. Pagamos 3300€, temos direito a viagem desde Madrid até ao 1º acampamento. Aí, chegados, e já ao fim da tarde, dormimos e jantamos comida oferecida pela organização. O dia seguinte é para a climatização e mostra do material obrigatório. A alimentação é por conta da organização. Terceiro dia estamos por nossa conta e só podemos sobreviver com o que temos na mochila durante os 7 dias de prova. No final, vamos 2 dias para uma cidade, neste caso Oarzarsate, e temos tudo pago, hotel e alimentação, assim com a viagem de regresso.
TM: ...
TM: ...
CS: No dia de apresentação do material despachamos o que não queremos levar às costas e eles guardam as mochilas. É claro que os valores vão às costas, não vá a mochila perder-se. No total, mais a viagem para Madrid e a alimentação que levei, assim como outras despesas de material, gasta-se mais de 4000€. É muito caro e sem apoios não seria possível.
TM: Descansavas o suficiente durante a noite?
CS: Por incrível que pareça, tirando a etapa de 82 km, corri as outras em mais ou menos 3,30h. No final de cada etapa, devo ter gasto 30 minutos a procurar vegetação seca para fazer fogo para aquecer água para juntar às massas, e mais 30 minutos a ver as classificações e depois ficava deitado a descansar. Não tinha vontade e energia para fazer mais nada. Sentia-me cansado e era uma preocupação; será que amanhã já vou estar recuperado? Estava sempre na minha cabeça isto. Então, punha os pés em cima da mochila e tentava descansar o máximo. Tinha também que tratar das botas e feridas nos pés. No final de cada etapa era assim, como no inicio da seguinte. Voltando à logística; sempre que as equipas médicas assistiam um atleta, por exemplo, e estávamos desidratados e era-nos dado soro, isso custava-nos horas no final, porque eram assistências com penalização. No final da segunda etapa estava já muito mal dos dedos...
TM: Mas, isso ainda era só o início...
CS: Sofri muito, mas depois dei um pontapé num calhau e pensei ter partido o dedo grande do pé direito. Ficou muito mal, todo pisado. Eram dores horríveis. Aí, os voltarenes ajudaram muito. Depois da 5ª etapa, e devido ao esforço extremo, fiz uma lesão num tendão de um gémeo. Mal podia andar.
TM: Mas, ainda assim corrias.
CS: Faltavam somente 18km e estava a ver que ia morrer na praia, mas com muito sacrifício consegui segurar o 8º lugar. Os primeiros 3 km dessa etapa foram a mancar, mas não era o único (risos). Depois de aquecer melhorava um pouco.
TM: Vamos passar a outra parte da entrevista...Como aparece esta coisa das provas de Montanha na tua vida? Bateste com a cabeça no rodapé ou que aconteceu? (risos)
CS: É melhor, porque podia estar a noite toda a escrever que não conseguia transmitir metade do que se vive lá. Corri até aos 19 anos e depois foi fiquei sedentário. Tinha 92kg, fumava, bebia, etc...
TM: Essa estória não me é estranha, sabias?
CS: ...até que o meu filho começa com um anito a meter paus à boca e aquilo chocou-me. Decido mudar de vida e começo a fazer montanha no Amigos da Montanha.
TM: Por influência de alguém ou por curiosidade? Há quantos anos foi isso?
CS: Surge uma oportunidade em 2003 de fazer uma expedição de alpinismo no Perú, com o João Garcia, e fizemos uma grande expedição; 4 cumes de mais de 5500m, em 20 dias. Começamos 4 elementos a planear escalar a 6ª montanha mais alta do Mundo: Cho Oyo, com 8201m. Não tinha experiência até 2003, tirando passeios no Gerês. Fiz toda a formação nos Amigos da Montanha. E há pessoas que têm dons naturais, que em dias aprendem e põem em pratica aquilo que outros demoram anos ou nem conseguem evoluir.
TM: Foi o teu caso.
CS: Em pouco tempo era já a uma referencia fisica e técnica no grupo de Montanheiros dos AM.
TM: Espetáculo.
CS: Para se estar a mais de 8000m de altitude com 30/40% de oxigénio estamos por nossa conta. E tinha a consciência que teria de estar no máximo das minhas capacidades físicas. Assim, encontrei na corrida a forma de treinar e como fazia montanha, porque não correr na montanha?
TM: Mas, na altura não havia muita gente praticante desta variante da corrida a pé, pois não?
CS: Já havia muita malta a correr o circuito Salomon, provas até 13km. Provas longas havia dois ou três, depois a malta passou a ir para Espanha e aí começo logo a dar nas vistas, até que surge um desafio de um amigo para participar na 1ª edição da Ultra Trail Da Geira. Nunca tinha corrido mais que a meia maratona, mas aceitei o desafio, fui lá e sem saber como fiquei em 2º, entre 200 participantes. Nunca mais parei e no ano seguinte voltei e ganhei e fiz mais umas ultras ficando sempre nos dois primeiros. No ano seguinte corri pela 1ª vez uma ultra, em Espanha, de 100km e ganho, meses depois corro pela 1ª vez em França 160km e ganho.
TM: Como te preparas numa semana normal de treinos?
CS: No domingo à noite envio o microciclo da semana ao meu treinador e ele avalia os dados e prepara a seguinte. Nunca sei o que vou fazer na semana que se inicia. Mas normalmente 2ª feiras é treino de recuperação, só rolar e fins de semana tareias com muitos km. Ele planeia avaliando a Frequência Cardíaca.
TM: Para te preparares para provas cujas distâncias são tão longas, como organizas, ou o teu treinador, os teus treinos?
CS: Faço treinos de 90 a 120 min durante a semana, alguns deles com grande intensidade, para optimizar o ritmo cardiovascular . Por exemplo, 90 min em monte, com declives, e a FC média de 150ppm. Faço 22/23km aos fins de semana, treinos longos para 4/5/6h. Nunca treino mais que isso. Nesses treinos procuro ritmos médios de 10/11k/h e FC 115/120 bpm. A minha FC em repouso situa-se entre 32/40, conforme o volume de treino e cansaço do dia a dia.
TM: Que treinos de qualidade fazes? Tipo séries...
CS: Intervalados, tipo 20min a 155 bpms ou 5 x a 120 x 8/10. Como treino sempre em Monte tem que ser assim. Nunca faço estrada ou pista.
TM: O que te estimula correr em montanha?
CS: Procuro desafios e a superação dos meus limites. A Maratona das Areias foi um enorme desafio onde me dei bem e quero repetir. Quero também experimentar novos desafios, como correr a Spartatlon na Grecia - 247km numa só etapa, em estrada.
TM: Como concilias esta atividade com a vida familiar? e como é que eles vêm esta tua dedicação?
CS: Com muita organização e com a ajuda deles. Só para teres uma ideia, o meu filho com 11 anos faz o jantar praticamente todos os dias. E fá-lo com gosto, tal como eu fazia com a idade dele, tivesse ele a mesma paixão por estudar: (risos)
TM: Tens tempo para mais alguma coisa...?
CS: Deixo muita coisa que gostava por fazer...mas sinto-me feliz com aquilo que consigo fazer.
TM: Como é o teu cuidado com a nutrição...
CS: Não é diferente do de outros atletas. O peso é importante nesta atividade e devemos evitar as comidas muito calóricas.
TM: E apoios?
CS: No ano passado não tinha nenhuns tirando algumas inscrições dos Amigos da Montanha. Este ano as coisas mudaram e já tenho material de La Sportiva; dá-me sapatilhas. E a d´Maker, mais algum material técnico. A nível financeiro, tenho a Câmara de Barcelos, os AM e a ChaYmit. Tenho também a Clínica Fisívida em Barcelos e a Drª Maria Cunha de Aveiro, que me faz a reabilitação Física. E estou a começar a trabalhar com a universidade de desporto do Porto e Centro de Motricidade Humana para fazer testes e tentar evoluir mais ainda.
TM: Uma colega tua esteve presente numa ação de formação sobre nutrição, organizada pela FTP. E uma questão que ela colocou foi que o seu organismo não conseguia ingerir nada a partir de um determinado volume de horas em prova. A questão era a seguinte: o que ingerir. Na altura incentivei-a a falar contigo dada a experiência que tens na modalidade. Que aconselharias a uma pessoa nestas circunstâncias?
CS: Tento nas grandes ultras ingerir solidos e comida quente, como sopa, massa, café, chá, etc...O grande erro é os atletas tentarem correr 20/30h, ou mais, apenas com aquilo que nos vendem e que parecem milagrosos; os geis e barras. São importantes, mas começamos a ficar enjoados e não conseguimos digerir os alimentos.
TM: Como te preparas para uma prova de 160 kms em que tens de correr de noite?
CS: Com frontal. Infelizmente, passo o Inverno todo no meio do monte a correr de frontal. É tudo treino (risos). Só para teres uma ideia, uma prova como a dos Pireneus, de 160km, com 20.000 m de desnível, tinha abastecimentos de 10 em 10km, mais ou menos. Eu ingeria em cada 10 km um bidão de coca-cola ou isotónico e outro de água. Portanto, meio litro. Os atletas só começam a preocupar-se com a desidratação quando têm sede, mas já é tarde.
TM: Material necessário para quem pretenda iniciar-se na modalidade.
CS: Sapatilhas é o mais importante.
TM: Que sapatilhas? Já ouvi falar que devem ser impermeáveis, já ouvi dizer que não...em que ficamos?
CS: Eu não concordo com as impermeáveis. A água entra sempre e tem menor capacidade de transpiração. Depois, bom amortecimento e bom piso, para não ir falésia abaixo
TM: ...e roupa? Numa montanha nunca se sabe bem que tempo iremos apanhar.
CS: Se for uma ultra consta no material obrigatório corta vento, frontal, calças ou corsários, assim como uma muda de camisola e sapatilhas em pontos de abastecimentos.
TM: Treino técnico, é necessário?
CS: Tem de se aprender a correr com muito calhau e evitar lesões. A agilidade e rapidez de reação é fundamental, mas isso aprende-se participando.
TM: A técnica a subir e a descer...
CS: Em subidas fortes, cabeça a bater no chão e as mãos a fazer impulso nos joelhos. Assim poupamos os gémeos. A descer, manter o equilíbrio e ser rápido a reagir. Nas subidas fortes é caminhar alternando com pequenos trotes. Eu vou sempre no limite, mas quem faz um Monte Branco em 44 h pode descansar uma horita.
Eu vou tentar fazer 22/23h, é sempre a abrir.
TM: Todo o percurso numa montanha é feito correndo? e de noite? nunca se dorme?
CS: Devido ao cansaço, passamos horas complicadas. A coca cola e o café ajuda. Nos Pirenéus estive três noites sem dormir. Sim, sem dormir corri durante 26h e 40min. Só que a prova começava às 5 da manhã e não consegui dormir. Depois, passei o dia e noite a correr, e no dia e noite seguinte também não consegui dormir. O relógio biológico fica todo alterado e é complicado, depois temos também a emoção.
TM: Dos teus imensos feitos, há algum que destaques, que te dê particular orgulho?
CS: Talvez este ultimo. Todos foram marcantes, mas este nas condições que fui e fazer o que fiz não estava nada à espera.
TM: Quais os teus maiores objetivos para este ano?
CS: Entrar nos 5 primeiros do Ultra Trail do Monte Branco.
TM: Onde está a nata do mundo
CS: Sim.Tm: Carlos, boa sorte e vamos continuar atentos às tuas façanhas. Obrigado.
FIM
4 comentários:
Grande Carlos Sá!
Nunca é demais dar os parabéns a este homem.
Força Carlos!
Sem dúvida um atleta que admiro muito, umexemplo de dedicação para todos os atletas amadores e para todos aqueles que dizem que não têm tempo para a prática desportiva.
Este homem para além de um trabalho como todos os comuns mortais, ainda consegue dedicar-se para se bater de igual para igual com atletas que têm condições e apoios fantásticos.
Gostei muito da entrevista, obrigado João por nos teres dado a conhecer este super atleta.
Fabulastico. Mais uma grande entrevista.
Um abraço.
Paulo Pitarma.
Mais um grande abraço para este atleta. É sempre um exemplo a seguir.
Ao entrevistador também!!! Continuem os dois assim dedicados ao desporto.
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