Se Roger Bannister tivesse hoje afirmado que os atletas não nascem iguais, o mundo desportivo, em especial, não teria ficado tão chocado como ficou na década de 50 do século passado, quando aquele corredor produziu essa afirmação. Não é por acaso que já há muito os finalistas das provas de velocidade são quase sempre negros. Curioso é saber que todos os finalistas dos 4 últimos jogos olímpicos têm origens na África Ocidental. Assim como nas longas distâncias, as atletas com origem na África Oriental têm dominado a cena dos grandes eventos desportivos mundiais. A constituição genética determina de igual modo o nível da nossa prestação desportiva.
Desde que se começou a decifrar o mapa genético que os cientistas vieram a público identificar os genes aparentemente responsáveis pela performance desportiva. Em 2000 já tinham sido identificados 30 desses genes e suas variantes. Hoje em dia o número já atingiu a cifra superior a 150 e continuará a aumentar.
Dois casos interessantes valerá a pena referir.
Eero Mäntyranta |
1º Caso - O Finlandês Eero Mäntyranta surpreendeu tudo e todos em 1960 quando então ganhou a sua primeira medalha de ouro nos jogos olímpicos de inverno, em Squaw Valley (Califórnia), integrado na equipa de estafetas de fundo do seu país. Para além de outras medalhas ganhas em campeonatos do mundo, nas olímpiadas de 1964 e 1968 ganhou "apenas" 5 medalhas (2 de ouro, 2 de prata e 1 de bronze). Mäntyranta era um atleta com morfologia atípica para o esqui de fundo, devido à sua altura (1,70 mtrs). Esteve sempre sob a suspeição do recurso ao doping. Porém, vinte anos mais tarde biólogos moleculares descobriram o segredo deste atleta: apresentava uma rara mutação genética que lhe permitia a absorção pelo sangue de elevadas quantidades de oxigénio, fruto do seu metabolismo ser especialmente sensível à EPO (eritropoietina), hormona que estimula a produção de glóbulos vermelhos. Verificou-se que esta mutação genética não era apenas uma caraterística sua, pois muitos dos seus familiares apresentam a mesma mutação.
2º Caso - Michael (nome fictício) nasceu em 2000 e destacou-se desde cedo pela sua composição muscular, demasiado desenvolvida para um bébé. Aos 4 anos de idade conseguia suportar alteres de 3 kgs com os braços estendidos. Investigações realizadas pelo neurologista pediátrico Markus Schülke permitiram concluir que em 1º lugar a criança era saudável; em 2º lugar, que a criança havia herdado a musculatura de sua mãe, de forte compleição, assim como noutros familiares; em 3º lugar, Michael apresentava uma mutação genética. Isto é, o organismo da criança não produzia miostatina, hormona responsável pela regulação do crescimento muscular.
Terapia Genética
O recurso às técnicas terapêuticas para a melhoria da qualidade de vida daqueles que, por uma razão ou outra, padecem de uma doença grave que os limita, é aceite por todos, assumindo-se desse modo o risco quando perante uma questão de vida ou de morte. O processo tem por objetivo o transporte do material genético para o interior do núcleo celular de modo a que passe a fazer parte da cadeia genética da célula do indivíduo. Este tipo de terapêutica é conhecida por "terapia genética somática". Isso quer dizer que as modificações produzidas nas células estão limitadas ao paciente e não poderão ser transmitidas à sua descendência. No entanto, também a terapia genética "germ-line", que recorre às células reprodutivas, seria possível, mas é demasiado controversa para estar na agenda atual, devido à dimensão ética que levanta.
Ora, estas técnicas levantaram há já bastante tempo a curiosidade dos agentes desportivos que buscam as soluções mais fáceis para o alcance do êxito, quando tudo o resto lhes parece escapar. E embora a margem de segurança na terapia genética tenha aumentado imenso porque é conduzida debaixo de um protocolo de rigor máximo, mas não sem riscos uma vez que apesar dos bons sucessos alcançados, também foram registadas complicações severas após aplicações de terapia genética de que resultaram a morte súbita, doenças auto-imunes, cancro, etc.
Importa igualmente observar que a sua utilização num indivíduo normal para fins de aperfeiçoamento do seu rendimento desportivo nunca resultaria em alguém sem qualquer perfil atlético.
Doping Genético
Uma verdade que é de imediato assumida é a de que alguém dopado no seu material genético ficaria/ficará para sempre dopado. Os exemplos resultantes das experiências produzidas em cobaias são ilucidativos: num caso, experiência com ratos que foram dopados com a inibição do gene responsável pela produção de miostatina. A consequência foi de que a sua esperança de vida foi reduzida para metade. Noutra, também com ratos, Max Grassmann (Instituto de Fisiologia Veterinária da Universidade de Zurique) transferiu o gene humano da EPO para ratos. O resultado foi um aumento muito significativo da sua capacidade de produzir sangue, mas este era tão espesso que afetou a capacidade de absorção do ferro pelo organismo e de tal maneira que colapsou os rins, os nervos ficaram afetados e os músculos definharam. Também viveram metade do tempo.
Suspeita-se que os jogos olímpicos do Rio de Janeiro
marquem a entrada do doping genético em cena. Na realidade, não se sabe muito bem se já não terá sido usado. Tudo é possível em lugares onde os direitos humanos são relegados para segundo plano, em detrimento da medalha, símbolo da força de uma ideologia, de um mito ou de uma glória, por mais efémera que seja. O que se sabe é que a metodologia do doping continua à frente do seu controlo e da respetiva deteção imediata. Mas, a ideia de que possa haver atletas geneticamente modificados foi suficientemente aterradora para que a Agência Mundial Antidopagem tivesse corrido a proibir o recurso a tal procedimento. Foi a primeira vez que a AMA baniu um tipo de dopagem antes mesmo deste ser detetado.
Porém, o recurso à manipulação genética no desporto não é uma questão pacífica em toda a comunidade desportiva. Há quem defenda que o tratamento de uma lesão, por exemplo, carece do mesmo direito às técnicas terapêuticas a exemplo da terapia genética; para uma melhor e rápida recuperação.
Há um perigo iminente quando se pretende rescrever as leis de Deus, e interferir no equilíbrio do complexo organismo humano é como brincar à cabra cega; nunca se sabe onde iremos acertar.
Abraços triatléticos, companheiros.
Fonte: www.idesporto.pt e canal por cabo "Odisseia", sobre doping genético.
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