Viagens na Minha Terra - Part IV: Star Wars!

14/09/13





feira, dia 28 do mês de Agosto, de 2013, para mim um dia especial por ter sido a minha primeira ascensão à Torre, Serra da Estrela, o lugar mítico das provas velocipédicas nacionais. 
Tive de proceder a alguma mentalização para conceber esta tarefa. Qualquer escalada à Torre, seja qual a opção escolhida, será sempre uma dificuldade extra para um amante da modalidade. O traçado escolhido implicava 30 kms de ascensão, apenas intercalados a 9 kms e a cerca de 20 por uma zona descendente ou plana, mas ambas curtas, demasiados curtas. 
A saída de Tábua significava 10 kms sempre em rota inclinada, mas para cima, e mesmo a aproximação a Seia pela antiga estrada da Beira só deixava margem para algum conforto após os 20 kms. Quando o corpo está fresco, tudo corre na perfeição. A temperatura estava bastante aceitável, mas uma saída anterior às9 horas matinais teria sido mais aconselhável. A disposição era excelente e estava determinado, bastante determinado. No caso de algum problema, seria tão só inverter o rumo e ponto final. Este o plano. O final estava acordado com a mulher: refeição em Seia no retorno, de preferência almoço.

Tinha previsto demorar hora e meia até Seia. E assim foi, na mouche. Durante a aproximação, a Serra lá estava, desafiante na sua tranquilidade, mas senhorial, a impor respeito. Assim que chego a Seia inicia-se de imediato a ascensão. Esta a verdade pura. Não é na saída de Seia que finalmente se sobe, mas sim antes de nos chegarmos ao centro da cidade. E a partir daí é sempre a escalar. E começa bem, com rampas giras, em esses longos, Serra acima. Na chegada à cidade, recordo-me que a média se situava nos 24,8 kms/hra. Agora circulava a 13/14 kms, ainda com artilharia suficiente para gastar. O tempo ia passando, a ascensão estava a decorrer bem, mas ainda estava apenas no início.

Seia

A determinada altura o alcatroado empina acima do normal e estão abertas as hostilidades. Estava-se no perímetro da Aldeia da Serra. A passagem por esta aldeia é durinha, como ainda não tinha sentido. Tinha despertado a Serra e ela agora não mais me iria largar de vista. De vez em quando cruzo-me com duos, poucos, de companheiros que vinham alegremente descendo. Sorriam quando me olhavam. Talvez me quisessem dizer o quanto iria sofrer. Chegada ao Sabugueiro, que era o mesmo que dizer que havia demorado todo aquele tempo para fazer pouco mais de 9 kms. A média, claro, tinha descido, muito. A velocidade momentânea tinha descido para os 11/12 kms/hra. 

A ideia de que ainda me faltavam cerca de 18 kms deixa-me a sensação de que iria sofrer um bocado. É que nesta fase já sentia algum desgaste. Para mais, a saída do Sabugueiro faz-me reviver as dificuldades geradas por aquela aldeia com o nome de serra, que já havia ficado para trás. E pronto! Agora começo mesmo a sentir a dificuldade da chegada à Torre. Não há nada a fazer. As rampas sucedem-se, umas mais longas que outras, mas duras, muito duras. E começo a roer ferro, com velocidades a ritmo de caracol: 8/9/10 kms hora. Que fazer? Talvez sofrer, talvez sofrer...A determinada altura cruzo-me com uns turísticos de carro mas com bike lá no alto dos mesmos e dizem-me que já faltava pouco. Respondo-lhes que o problema está precisamente no pouco que ainda me falta. Ó lá lá...acendem-se-me as luzes de esperança. Um companheiro mais à frente, ainda afastado, mas a possibilidade de enfrentar a parte final(?) acompanhado, renova-me algumas das já esbatidas energias naquela longa montanha. Chegada à Lagoa Comprida, mais uma pequenina descida para aliviar os ossos e...companheiro nem vê-lo! Mas que raio? O gajo estava a poupar-se e agora desatou a sprintar Serra acima? Não podia! Aquela falsa recta que ladeia a Lagoa, que assim começa mas logo desilude quem se atreva a continuar, era impossível de ultrapassar assim, num ápice. Onde se terá metido o homem da camisola rosa? Olho para trás e, surpresa, lá vem ele. Não, não podia ser. O homem não tinha sprintado, não se havia evaporado, o homem tinha ido abastecer-se ou recuperar ATP's. 
E lá fui, no meu melhor ritmo possível. Não estava fácil e à medida que lentamente avançava montanha acima pensava como conseguiam aqueles gajos que fazem disto profissão pedalar a ritmos incriveis. Já me contorcia todo em cima do carbono, passou-me pela cabeça inverter a marcha, mas a Torre aproximava-se e dizia para mim mesmo que agora talvez sim, o pior estava ultrapassado. Mas não estava. Estava, isso sim, mais perto, mas não estava melhor. A dificuldade era grande e estava a confirmar porque razão uma escaladaà Torre é uma epopeia pessoal. A páginas tantas olho para trás. Onde vem o meu amigo? Ui! estava pior que eu. Andava aos esses numa curva lá em baixo, longe. Pensei que estaria a sofrer ainda mais.
Finalmente, vislumbro a Torre!! É agora, caramba.

Só que as duas ou três descidas que medeiam a chegada ao cume da Serra da Estrela dão-nos a ilusão de que agora vai ser sempre assim. É alucinação. O que a cabeça quer é deixar de subir, mas não pode, se quiser cumprir a tarefa na plenitude. É uma questão de tempo. E de sofrimento. Entra-se na rampa final, onde pensava sentir mais dificuldade pelas imagens televisivas, e chega-se FINALMENTE! à Torre. 
Liga-se à mulher, conforme o combinado, e não há tempo a perder, porque é mais que uma hora da tarde e ainda vai dar para almoçar em Seia.
O caricato é que ao iniciar-se a descida pensa-se que a partir de agora vai ser sempre assim, a abrir. O catano! Aquelas descidas que estavam lá enquanto se subia, agora inverteram-se e nesta fase, meus caros, qualquer dificuldade é terrível. A sensação é de que afinal a subida ainda não acabou! Doloroso. Mas, pronto. O homem da camisola rosa é que nem vê-lo. Compreende-se. Escalar esta coisa implica estar física e mentalmente preparado. Que não haja a menor dúvida.
Finalmente sinto-me a descer. E com vento e etc, mesmo sem ele, uma nova dificulade: controlar a velocidade na descida. É que ao mínimo descuido os danos podem ser sérios. Portanto, dedinhos afinados. Começa o ardor nos metatarsos. A coisa começa a ser insuportável. Tenho de parar na entrada do Sabugueiro. Uns minutos de descanso, sem sapatos,e estamos prontos para continuar a descer até Seia. 
A sensação ao entrar em Seia é de exaltação. Afinal, tinha conquistado o equivalente a uma medalha, um pódio e isso dá uma sensação forte de orgulho pessoal. Mas, como estamos entre amadores, o prémio foi mesmo uma bela chanfana, acompanhada por um branquinho fresco. Tão fresco que reservei 2/3 para mim como se fosse água. Tal a desidratação. No final do repasto, um quis ir ver as montras, o outro quis fechar as montras num banco dum jardim qualquer mais próximo, enquanto pudesse.


No final de quase 5 horas de viagem, quase 100km, para uma velocidade média de 20 kms, gastas 3.174 kcal, muito devido à responsabilidade dum acumulado positivo de 2510 metros, para uma pulsação média 136 bpm. Que dia!

No regresso a Lisboa, de volta a Sintra, onde as rampas terão parecido mais pequenas, excepto Cheleiros...de volta a Mafra e recordar tempos de uma recruta há muito tempo vivida mas ainda bem presente.
                             

Inicialmente tinha pensado em guardar estas viagens pessoais para mim próprio. Decidi partilhá-las por duas ordens de razão: 1º - porque há na realidade lugares inimagináveis que merecem ser mais divulgados e bom seria ver mais ciclistas, fazendo cicloturismo ou simplesmente treinando. Estou a lembrar-me de Vide, Mata da Margaraça, etc...a 2ª razão tem a ver com o prazer em partilhar escrevendo. 

Caros companheiros, terminam assim as crónicas sobre as pedaladas de verão 2013. 

Até breve e abraços triatléticos.










3 comentários:

joao rita disse...

Agora qualquer subidazeca parecem-te rectas....
1 abraço

Hugo Gomes disse...

Parabéns João!

A Estrela é dura, muito dura.

Quando estiver recomposto ainda a irei desafiar outra vez...

Um abraço!

david caldeirao disse...

quer dizer que encontras-te "a força"!!!
gosto do titulo, que dá assim um ar de epopeia..., uma coisa é certa a tua "bandeira" já está lá em cima!
abraço,