Luso Galaico Extreme 2012: Crónica Anunciada - Part II

25/04/12



A Partida para a 2ª etapa

Domingo, dia 21 do mês da revolução. Tenho a sensação de que estamos a precisar de outra. 
Segundo dia Extreme, faltavam 90 kms para Esposende. A previsão do tempo havia-o prenunciado com abertas, mas a verdade é que Caminha estava debaixo de um nublado que me fez sair de impermeável. A noite não tinha sido. Deu para dormitar, apenas. Mas, dormir haveria de conseguir sim, após a conclusão desta aventura. Olho para as pernas e elas piscam-me o olho e agradecem-me os cuidados do dia anterior; estava pronto para mais uma dose. E que tal Metálica às 6h da manhã? Ele há cada um....Nestas coisas de grupos, o civismo tem de imperar, caso contrário...Alguém lá foi ter com o jovem e sensibilizou-o para desligar aquela mini-aparelhagem de alta fidelidade. E...eh lá! quem está a desmontar a tenda, quem é? Claro!! Mr. Special One! Espectáculo. Passei toda a noite a pensar de quem seria a "câmara hiperbárica". Estava desvendado o mistério.
O Hotel
A suite


Algo que ainda não comentei foi a presença das senhoras. É verdade! Poucas, sim, mas cheguei inicialmente a pensar se haveria algumas. Não me recordo aquando do briefing de "sexta-feira, yeahhh" ter visto alguma. Mas havia. Há mulheres do caraças! E sabiam que o primeiro a chegar no sábado havia feito 5h e 30'??? Eu não sabia que as inscrições também aceitavam extra-terrestres. Impressionante!!
Apesar das saídas estarem préviamente anunciadas para as 7h30' e as 8h, a verdade é que a esmagadora maioria sairia às 8 hrs. Muito por força do atraso na abertura da cantina da escola. Penso que apenas quatro elementos terão saído na primeira abertura. 
Ponte de Lima
Novamente a boa disposição entre os rangeres dos ossos e preparativos finais para a partida. Mas, já estávamos todos avisados: a brincadeira duraria apenas 800 metros, porque a partir daí...tocávamos o céu. Primeiras pedaladas pelas ruas de Caminha e toca a empinar a bicicleta. Ainda muita gente junta, mas as subidas sucessivas que se seguiam levavam a que o pessoal, quase todos os que ainda resistiam no Extreme, se fossem separando. O que valeu nesta escalada até quase às portas do Reino dos Céus é que entre as ditas havia umas curvas, que permitia acalentar o desejo de que a penitência estava a acabar. Mas, não! Mais uma curva e mais uma "rampa da falperra". E o pequeno almoço a ser sugado a 200 à hora. Quase tudo em alcatrão, algum paralelo. O meu companheiro segue-me de imediato, mas quando acabamos a escalada e se segue a descida esperada, ele passa para a frente e aí vamos sendo ultrapassados por doidos varridos que haviam ficado para trás nas empenas. Às tantas aparece-me uma mulher. Rapariga, para não ser tão difícil a digestão. E claro! dá-se o picanço. Só que aos poucos, ela afasta-se, afasta-se...até se perder no monte, longe do meu horizonte visual. E aqueles caramelos que subiam pedras de afiar facas como quem lambe um gelado, enquanto eu, coitado de mim, procurava o trilho menos penoso daquele amontoado de ardósias? "Ó tempo, volta pa trás, e deixa-me viver o que não vivi". 



E em pleno Alto Minho, enquanto os cantares típicos da região que nos saúdam por entre sobes e desces, escalamos e descemos, por entre granitos monumentais, aldeias perdidas no tempo, cavalos meio selvagens, à procura do melhor pasto, indiferentes e estes "cavalos" de duas rodas, apercebo-me da belíssima paisagem que se nos depara: lindo! Ora, se mais motivos houvesse para aqui estar, esta seria uma das melhores respostas que a natureza me podia oferecer. Mas, asseguro-vos; que zonas houve em que muitos duvidariam que um complexo amontoado de ossos, músculos e afins, com apenas um neurónio (ah pois, porque isto só mesmo para doidos), conseguiria passar por aqueles trilhos em cima duma bicicleta.
As serras vão-se sucedendo, depois de subir e descer, e hoje a empreitada parece mais fácil, por isso mesmo, porque o desgaste das subidas é compensado pela recuperação nas descidas, alternando no corpo os protagonistas e os antagonistas do movimento. E uma outra dificuldade extra me surge; o sapato direito não encaixa convenientemente. Porquê? Um raio dum parafuso desiste da contenda, diz que está farto de levar porrada e vai-se embora sem aviso prévio. Resultado, passo a pedalar com um parafuso a menos. Se já não eram muitos...Nestes entretantos, cruzamos-nos com outros comparsas e uma paragem para restabelecer energias gastas permite que novos aventureiros se avistem. Alguns vão-se mantendo ora mais atrás, ora mais à frente, tudo em função da gestão, mas o ritmo era semelhante. Os pontos de controlo também se vão sucedendo e começamos a fazer contas à vida; aquela subida final vai dar cabo do resto. A seu tempo. 
Entretanto, os humores do tempo faz-nos tirar e repor os impermeáveis. Lá em cima, em plena serra de Arga, o tempo não está fácil com o regresso da chuva, fraquita mas desconfortável na sua aliança com o vento. Com o tempo as palavras vão-se sumindo entre nós, por culpa minha. As dores lombares começam a transformar-se numa dificuldade, muito por culpa da tensão gerada nas subidas e claro, da tensão nas descidas daqueles trilhos onde só vejo pedra e mais pedra. A determinada altura, já depois duma sequência de subiditas por trilhos, o João Paulo quer tirar o impermeável, porque o tempo abriu e etc. Mal paramos, ouve-se um pfffffffffffffffffffffffffff. Ora, nem mais. Rebenta-se o pneu. Ah ah! mas eu, que me conheço tão bém bem quanto eu, venho prevenido, ah pois. E trago às costas um pneu, usado, mas que naquela altura me faz brilhar a mente. O João Paulo inexcedível, ajuda forte e lá mudamos aquilo enquanto umas diabruras nos vão passando. E...então e o special one? Na frente não vai. Nem é tarde, nem é cedo. No controlo seguinte lá está o homem. Olhamos-nos e sem palavras sabemos o que temos de fazer. É que nem pensar!! Alivio a carga no controlo e segue-se uma valente subida, algumas partes vai ter de ser à mão. 
Azulinhos


Chegamos lá acima olhamos para trás e lá vem o homem. Não, isto não vai ser fácil. A partir daqui ficamos obcecados com essa ideia, ele não pode chegar primeiro. Rimo-nos. E após várias outras nuances, a tal de subida que nos irá tirar a pele até ao final. É a última grande dificuldade dos dois dias. No papel sim, mas não seria. E lá fomos escalando, escalando...se um caracol ali circulasse ao lado gozar-nos-ia à força toda, tal a velocidade imprimida. Aquilo foi duro. No final da subida, a satisfação da tarefa cumprida e a satisfação de nos termos distanciado do homem....ãh? qual quê. O gajo vem lá, diz o João Paulo. Ah caraças! Daqui até ao final não há mais subidas. Tá bonito, tá. Bora lá. Nesta fase, e se até aqui já falava pouco agora é que nem pio, ou quase. Enganamos-nos várias vezes, as suficientes para que Mr. special one nos passe, resmungue qualquer coisa e siga, sem nos dar qualquer dica. É a vingança total. Em Viana, novo engano e outro companheiro dos tais, que ora ficam para trás, ora se aproximam, apanha-nos e vamos com ele. Até ao único abastecimento do dia. Quem estava lá? Special one, mais dois comparsas. A páginas tantas, special one pergunta a alguém "vocês não viram o professor e o outro...não me lembro o nome...eles andam sempre a fugir de mim". Eu estou mesmo virado para ele e digo-lhe "...estás a falar de nós?" "Ah não! São outros, de vermelho". Pois. Saímos todos ao mesmo tempo. Cinco caramelos. E faltam-nos 20 kms para acabar isto, sem declives, subidas, descidas. Tudo em plano. Só que as dores nas minhas costas, massacradas, os pisos arenosos (este curso foi trilhado quase à beira-mar) e a ganância de chegar primeiro para cumprir a promessa que havíamos feito mutuamente no dia anterior, mais a percepção de que o homem estava igualmente a competir connosco, elevou o ritmo da coisa o que veio a revelar-se numa tarefa árdua para mim.Tinha ainda o sapato direito que não encaixava e por isso saltava  muito. Eu não queria perder aquelas rodas e gania lá atrás. Mais tarde soube pelo João Paulo que um dos companheiros lhe havia dito que aquele lá atrás já não dizia nada. Realmente, já não piava. O João Paulo ia bem melhor que eu e olhava-me, como quem diz "anda". E eu andava no elástico, dançando ao ritmo do sapato. Vem uma subida e salta-me a corrente. O João Paulo olha-me e eu respondo-lhe também com o olhar "vai, esse gajo não pode ficar à frente". E ele foi, na roda do outro. Eu fiquei, na roda do special one e mais outro. Os trilhos já são sobejamente conhecidos e os montes que anunciam a aproximação a Esposende cidade vão-se sucedendo e ficando para trás. Chegamos ao alcatrão, para a abordagem à recta final. Eu sabia que special one ia saltar. E saltou. Eu olhei para o outro comparsa e disse-lhe "bora". Colei-me na roda do homem, mas ele está forte e começa a distanciar-se e não tenho hipótese, sou mesmo obrigado a vê-lo de trás. 
Na chegada, o público acotovelava-se nos gradeamentos. Nós, íamos chegando com outros maratonistas dos 70. Um houve que ficou incrédulo quando passamos por ele no despique final. E após a meta, os cumprimentos, as felicitações mútuas e a satisfação da conclusão do Extreme. Dei os parabéns ao special one e rimo-nos e agradeci, muito, ao João Paulo TUDO! Foste um espectáculo.




A finalizar, um encontro inesperado: revejo o João Paulo, este companheiro do triatlo, da Académica de S. Mamede. Estava destinado que nestes dois dias, de uma maneira ou de outra, o triatlo também me iria acompanhar. Grande e forte abraço, João Paulo. Quero reencontrar-me contigo num evento em breve, companheiro.


Termino com a promessa do balanço final em tons de análise crítica.


Abraços e vejam lá se pedalam qualquer coisinha.

3 comentários:

João Paulo Torres disse...

O companheiro de viagem!

Depois de ler a Parte II deste fabuloso registo de viagem, e porque neles fui visado, cumpre-me aqui deixar expresso o meu agradecimento ao Prof. João Correia pela camaradagem excelente neste evento!

Aquilo que aqui é dito a meu respeito deve ser lido em dupla direcção: foi um verdadeiro "trabalho de equipa" em muito fortalecido pelo facto de termos um andamento semelhante e pela sorte de termos passado por momentos de "quebra" à vez. Assim, sempre que um fraquejava o outro tomava a dianteira. Por isso, tudo aquilo que aqui foi relatado no que respeita a camaradagem e amizade deve ser visto como uma mútua entreajuda que muito útil foi pois fazer uma prova desta dimensão "a solo" seria algo doloroso. Obrigado Prof. Sem si também não teria conseguido, ou melhor, até teria conseguido porque o meu espírito de sacrifício e garra impedem-me sempre de desistir depois de me aventurar no que quer que seja, mas sozinho teria garantidamente demorado mais horas e teria sido muito mais penoso.

Quanto ao relato de prova, não podia ser mais fiel, mesmo no que diz respeito ao "special one" :) A animação do evento:)

Esperemos que para o 2013 as pernas estejam rolantes para a próxima edição!
Adorei!
Obrigado pela companhia e um enorme abraço.

João Correia disse...

Grande João Paulo. Obrigado pelas tuas palavras. 2013 não prometo nada, mas se a troika deixar, ah caraças! :))
E...já voltaste a andar de bicla? eu já. :)))

Forte e intenso abraço, João Paulo.

Viva o 25 de Abril.

João Paulo Torres disse...

Vou andar hoje :)
Tinha planos para o feriado, mas o tempo não ajudou!

Um abraço, e viva também o 26.04 :)