Café Virtual: à mesa com...Pedro Gomes!

21/03/10



É com enorme prazer que inicio esta rubrica com um convidado do calibre de Pedro Gomes, um dos mais elevados atletas nacionais de resistência aeróbica da actualidade. Dificilmente poderia começar melhor. Para além do enormíssimo triatleta que é, com um palmarés de invejar, como a foto inclusa demonstra, também é uma personalidade cativante, com generosa disponibilidade, porque "aturar-me" como ele o fez, durante cerca de duas horas, não é fácil, após um dia extenuante, como o são todos na sua vida, e num momento do dia em que o repouso é fundamental para lançar mais um dia, logo às 7h da manhã.
Um grande "Obrigado, Pedro"!  


Tenho dificuldade em destacar os excelentes resultados que Pedro Gomes tem alcançado ao longo da sua carreira.  Selecciono os seguintes. E consultem o seu sítio na rede (mencionado mais abaixo, na entrevista), para se impressionarem como eu me impressionei.
2006: Campeão Nacional Absoluto de Longa Distância/Vencedor Triatlon Internacional de Guadalajara
2007: Campeão Nacional Absoluto de Longa Distância/Vencedor do Triatlo Sprint de Penacova (para mim o mais duro de Portugal, na distância)
2008: Vencedor do Triatlo Longo Homem de Ferro, Abrantes
2009: Vencedor Triatlon Internacional de Guadalajara/Vencedor Taça Ibérica de Triatlo Longo/Vice-Campeão Nacional de Triatlo ( Olímipico)/2º Triatlon Titan Sierra de Cadiz

TriatloMania (TM): Lendo o teu sítio na “rede” (http://www.pedro-gomes.com), percebo que te iniciaste na modalidade através da natação, ou não foi bem assim? Isto é, o que te levou a optar pelo triatlo?
Pedro Gomes (PG):   Pode dizer-se que sim, apesar de tudo a título meramente amador. No princípio queria aprender a nadar, algo que até aos 14 anos nunca me tinha passado pela cabeça. Depois, e muito por causa do meu pai, comecei a dar as minhas corridinhas também a título amador e com o objectivo de manutenção. Estava a ficar como os nossos adolescentes… gordinho e demasiado sedentário. Era altura de mudar. O Triatlo veio uns anos mais tarde.
 TM:   Chegaste a ter algum protagonismo na natação?
PG: Na natação? Não, nunca. Aliás é o meu maior handicap. A natação é um desporto muito técnico e que envolve uma aprendizagem de longa duração. Em simultâneo, é também um desporto muito precoce: é preciso começar de pequenino, quando o corpo se está a desenvolver.
TM: Mas, tu nadas bem...ou é impressão minha? Isto é, para ganhar provas ou fazer pódios, ou ainda andar lá muito próximo, é muito importante andar lá bem na frente…
PG: Posso até nadar bem para o comum triatleta, mas não nado ao nível dos melhores (do Mundo) e isso faz toda a diferença, principalmente nas provas mais curtas.
 TM:  Se não fosses triatleta, que outra modalidade pensas que poderias ter seguido?
       PG: Talvez o atletismo de fundo, maratona nomeadamente. Quando saltei do sofá e me tornei "atleta" por assim dizer, acho que passei logo para o extremo: queria algo difícil. Um desporto de endurance e a sério, como lhes chamo.
TM: E porque não te dedicaste ao atletismo, já que sendo uma modalidade clássica, com uma história ao nível do fundo e meio-fundo muito rica, poderias ter outro tipo de protagonismo, alcançado outro nível de reconhecimento...

PG: Não me dediquei ao atletismo porque não era meu objectivo dedicar tanto tempo (agora que olho para os dias de hoje) ao desporto. Fazia-o apenas por manutenção e lazer, sem objectivos competitivos. Foi também assim que comecei a fazer triatlo. Impulsionado por um amigo, fui fazer uns aquatlos pelo gozo de nadar no mar e correr na areia sem nunca pensar em resultados. Nos primeiros anos nunca levei o desporto muito a sério, era apenas um hobby.

 TM: Disseste que desejavas uma "coisa" difícil...estou a lembrar-me de Penacova...Guadalajara....Sierra de Cadiz...isto quer dizer que és um homem de desafios difíceis?
 PG: Desafios difíceis sim. Ao investir tanto tempo neste desporto, procuro sempre os desafios mais difíceis. Seja em distância ou em percursos, completar os mais difíceis tem um sabor especial. Terminar um triatlo curto, quase todo o comum mortal consegue. Terminar provas de Longa Distância já não está bem ao alcance de todos… apenas dos que treinam, claro.
TM:O triatlo é uma filosofia de vida, como é o surf para os surfers, ou as motos para os motards, só para citar estes exemplos?
PG: Sem dúvida, com a agravante que se perde o triplo do tempo. Não estamos a treinar para uma disciplina, num local único, num esforço único. São três esforços diferentes, três locais de treino diferentes, todos os dias. Acaba por ser um estilo de vida único à semelhança de algumas outras modalidades.
TM: Pode-se dizer que é a partir do triatlo longo que se adquire plenamente essa filosofia do “ser triatleta”?
PG: Eu próprio não o colocaria de outra forma: apenas com o triatlo de longa distância se adquire plenamente a filosofia do “ser triatleta”.
TM: Que conselho poderias dar a quem nos lê e que deseja incorporar essa filosofia?
PG: Como qualquer outra, é um mundo onde se leva o seu tempo a incorporar. São conhecimentos que se adquirem, ritmos de vida e hábitos que se incutem naturalmente, uma disciplina de treino e vida que se adquire e gostos muito próprios. Quem deseja entrar neste estilo de vida deve começar por aceitar que isto é um desporto de endurance e envolve sacrifícios, seja de tempo ou de hábitos. Há coisas que vão ter que abdicar, mas o sabor na chegada de uma prova é algo indescritível e que faz tudo valer a pena.
TM: ...e já que referes a necessária "perda do triplo do tempo", explica-nos de forma simples mas crua (risos) como é a tua programação diária de treino...
PG: De forma rápida e sucinta, é necessário acordar (muito) cedo para aproveitar bem a luz do dia. Lembrar que é um desporto essencialmente de outdoor. Nadar é a melhor opção para começar o dia quando o sol ainda não nasceu. De seguida, e porque ainda existem muitos condutores intolerantes, a melhor opção será sempre ir dar uma volta de bicicleta até à hora de almoço, enquanto os automóveis não têm "pressa" de chegar a casa. Com o final do dia nada melhor que terminar com uma corrida com aquela luz de final do dia e uma leve brisa num qualquer espaço aberto.


TM: E sobra-te tempo para mais alguma coisa na tua vida? Isto é, como consegues conciliar uma actividade tão absorvente e uma outra profissional?
PG: Tem que sobrar. Sempre me disseram que as pessoas mais desorganizadas são as que têm menos coisas para fazer durante o dia. Neste momento tem mesmo que sobrar porque em paralelo à vida de Triatleta, trabalho como Web Designer e o trabalho é bastante. Contudo e dado o facto de poder trabalhar "em casa" e ao meu ritmo, tenho conseguido conciliar estas minhas duas vidas. Para o resto, como seja sair com os amigos ou outros hobbies… bom, pouco, muito pouco tempo.
TM:  Treinas todos os dias três vezes?
PG: Três vezes por dia seria um "dia" fácil. Normalmente os dias incluem sessões de alongamentos, ginásios e alguns bi-diários do mesmo desporto, pelo que  a média deve rondar os "3 e meio".
TM: Lá atrás, citaste a natação e o atletismo. O ciclismo é o patinho feio?
PG: Longe disso. O ciclismo é inclusive o desporto que pratico com maior facilidade e mais gosto. Contudo, é um desporto onde há pouco a saber... não há bi-diários, e não há trabalho técnico (para nós, triatletas). Portanto, não tem muita ciência: 5 vezes por semana, passeios de 2 a 4 horas.
TM:  Dos três segmentos, qual o que te dá mais gozo treinar ou realizar em competição?
PG:  Acho que ficou respondido atrás.
TM: No  ciclismo: não fazes séries?
PG: Exacto.
 TM Quem prepara os teus treinos, quem faz a tua programação ao nível da metodologia de treino e preparação da época?
PG: Todo o planeamento e programação é feito pela Direcção Técnica Nacional (DTN) que actualmente é composta pelo Sérgio Santos e Bruno Salvador.
TM: Quer dizer que o teu clube, Olímpico de Oeiras, funciona mais como sponsor e apoio logístico...
PG: Exacto, o Olímpico de Oeiras é o meu clube e apoia-me logisticamente.
TM: Voltando ao ciclismo, não és grande fã do BTT, ou simplesmente procuras evitá-lo dado os riscos que comporta?
PG: O BTT é uma modalidade que requer muita técnica em cima da bicicleta. Não gosto de cair, ninguém gosta, e os menos dotados em cima de uma BTT normalmente estão sempre a cair. O risco de lesão é grande e o desgaste do material extremo. São custos e riscos desnecessários que não gosto de assumir.
TM: Como apareceu o Olímpico de Oeiras na tua vida?
PG: Apareceu por convite. O Olímpico de Oeiras criou uma secção de Triatlo e juntou alguns dos melhores atletas nacionais. Cedo se tornou uma referência nacional e um dos "grandes". Em 2008 surgiu o convite e desde então nunca me falharam.
TM: Falaste à pouco da equipa técnica da FTP. Tu fazes parte do projecto Olímpico para Londres, certo?
PG: Fazia até este ano, mas um pouco por empurrão da DTN, que via em mim qualidades para tal. Contudo, a minha visão sempre foi diferente e os meus objectivos sempre se focaram muito mais na longa distância. Não coloco (ainda) de parte a possibilidade de vir a integrar novamente o projecto, contudo este ano estou 100 % dedicado à longa distância sendo que o Europeu, o Mundial e a minha estreia na distância Ironman são os meus principais objectivos.
TM:  Qual a ou as provas que te dariam um prazer especial ganhar?...
PG: Quem disse que ganhar não é tudo, provavelmente perdeu. E neste momento encaro o desporto dessa forma, com objectivo competitivo. Dava-me um prazer enorme ganhar qualquer uma das três provas que mencionei em cima, contudo não são objectivos realistas. Não entro derrotado e vou competir sempre para ganhar, mas para já dar-me-ía a época por vingada se entrasse nos 8 melhores do Mundo, cinco melhores da Europa e fazer uma marca abaixo das 8h30 na minha estreia no Ironman.
TM: Já agora, que provas tiveram maior significado para ti?
PG: Não sou muito sentimentalista em relação a provas. Acho que o meu primeiro Europeu de Longa Distância (onde fui 8º na Elite) tem um significado grande na minha vida até agora. Foi então que percebi que era capaz de algo e que a minha passagem de "batata de sofá" para atleta tinha sido conseguida. Outra das provas que me dá especial gozo fazer é o Triatlo Longo de Guadalajara onde sempre fui acarinhado pela organização e num percurso que me assenta na perfeição. Em Portugal, nada me dá mais gozo que a prova de Penacova e o Triatlo Longo de Lisboa. Penacova, porque tenho sempre marcado pequenos (mas eternos) duelos com amigos, e Lisboa porque é uma prova onde já lutei com alguns dos melhores do Mundo e me sai especialmente bem (2008 fui terceiro entre eles).
 TM Tens algum acompanhamento ao nível da nutrição?
PG: Ao longo dos anos tenho lido muito sobre nutrição. Qualquer triatleta tem um pequeno anorético dentro de si e informa-se sobre tudo. Acompanhamento especial não tenho tido, contudo vou aplicando o que leio e alguns conselhos de treinadores e amigos.
TM: Explica-me , então, porque pode ser que assim me ajudes, como consegues controlar esse apetite voraz pelo chocolate…
PG: (risos) O meu companheiro de quarto sofre do mesmo e para além de ser extremamente magro, não deixa de ser um excelente triatleta. Portanto, o chocolate faz bem em doses moderadas. Não se controla o apetite para as coisas que realmente gostamos, apenas doseamos bem as porções. Dois quadrados por dia, é o que ele me conta.
TM: Já te confessaste guloso por doces...aliás,imagino que seja por essa razão que te alcunharam de...krepe (digo eu).
PG: O "Krepe" vem dos tempos de adolescente. Sou extremamente guloso mas - e curiosamente - a alcunha não vem dos crepes, não dos doces. Tudo começou quando eu tinha os meus 15/16 anos e comecei a ser frequentador assíduo de um restaurante chinês ao lado da minha escola, onde almoçava... dois crepes.
TM: Descanso...dormes uma sesta diáriamente?
PG: Ultimamente não tenho tido oportunidade, o ritmo de trabalho como Web Designer tem sido intenso. Contudo, sempre que tenho oportunidade não a deixo passar em vão. Nos períodos em que estamos em estágio, a sesta é sagrada após o almoço, poucos são os que não dormem.
TM: Quantas horas dormes diariamente?
PG: Tento dormir no mínimo 7 horas por dia, mas quando posso vou às 8 ou 9h (complementado com a sesta).
TM: Federação Portuguesa de Triatlo (FTP), o melhor e o pior...
     PG:  O melhor: o apoio à alta competição. Acho que não nos podemos queixar do enquadramento e apoio logístico que a FTP nos fornece em provas da selecção. O pior: algumas guerras pessoais que em nada dizem respeito à modalidade em si, normalmente aparecem em fórum publico e desviam a atenção para os problemas que realmente são importantes.
TM: Foi recentemente criada a Casa do Triatlo. Que expectativas tens relativamente a esta estrutura?
     PG:  Tanto eu como a comunidade triatleta tem expectativas elevadas. Espero que a FTP venha a colher frutos (desportivos) deste investimento. Acho que este está a ser um ano zero do projecto e só daqui a  mais uns anos se vai conseguir fazer um balanço. A nível pessoal tenho tido enorme curiosidade em visitar o espaço e utilizar como alternativa ao CAR, em períodos de maior carga. Contudo, o muito trabalho tem-me prendido a Lisboa.
 TM: Três dicas para cada um dos segmentos do triatlo, para quem nos está a ler…
  PG: hum… deixa cá ver…
PG: Natação: a técnica é mais importante que o volume. Antes de começar com elevadas cargas de treino, deve perder-se mais tempo com o trabalho de técnica. // Nadar em água aberta requer orientação e isso é algo que se treina também na piscina // Aprender a nadar "nos pés" é fundamental para uma prova de triatlo e algo que também facilmente se treina na piscina.
Ciclismo: é um desporto de endurance e requer muitos quilómetros, não se pode esperar milagres em pouco tempo // aprender a andar "na roda" em provas curtas poupa imensa energia e é fundamental // o equipamento é importante, mas não substitui o treino.
Corrida: como o ciclismo, é um desporto de endurance e requer muitos quilómetros de investimento antes de colher os primeiros frutos // variar o treino e os percursos é o primeiro passo para uma maior evolução // as lesões provenientes da corrida são as mais comuns em triatletas, por ser um desporto de impacto, portanto, flexibilidade nunca deve ser negligenciada e procure correr em pisos moles (terra ou relva).
TM: Só mais uma, malvadinha, talvez...recentemente, num comentário a um post teu, o Lino Barruncho dizia que finalmente admitias que Porto Santo seria um objectivo para ti. É verdade ou era uma provocaçãozita?
 PG: Porto Santo é um objectivo, mas não é uma prova que me dê particular gozo em fazer. Obviamente que quero ganhar, mas não gosto nem do percurso, nem da logística que envolve. Por mim, não voltaria a Porto Santo por vontade própria.
TM: E finalmente (sou tão mentiroso...), vais participar este fds no Triatlo do Ribatejo?
PG: Sim, Ribatejo. Depois do Ribatejo tenho (finalmente) uma semana de descanso para Porto Santo.

TM: Pedro, desejo-te a melhor sorte deste mundo, que tudo te corra de feição. Faz-nos sorrir nessas provas todas que tens pela frente.
PG: Sempre ao dispor. Obrigado.


Nota: Todas as fotos publicadas foram retiradas do sítio do Pedro Gomes (http://www.pedro-gomes.com)

Fim!

4 comentários:

sica disse...

Os meus Parabéns, pela iniciativa, achei uma forma muito interessante de promover o blog, para os atletas do pelotão é sempre com muito interesse que "aprendemos" com os nossos atletas de topo.
O Pedro deixou aqui claro 2 realidades, quem quer andar bem, tem que treinar muito, por outro lado a falta de tempo é uma excelente desculpa para quem tem outras prioridades.

Miguel Andrade disse...

Ontem fiquei curioso para ler a entrevista.

Parabéns, muito bem conseguida!

Unknown disse...

Muito bem. Quer ao entrevistado quer ao entrevistador. Tive a oportunidade de ter já trocado alguns mails com o Pedro e ele é de uma simpatia e de uma disponibilidade inigualável.
O João é frequentador assíduo do meu blog e tem demonstrado grande interesse ao comentar os meus posts. Parabéns aos dois e bons treinos para todos.

Rafael disse...

Mais uma vez, um excelente artigo... Uma entrevista que até me faz crescer a vontade de participar num triatlo!! Bem... só falta aprender a nadar!!

MUITOS PARABÉNS!! A Entrevista foi excelente!!

Abraço:-)