
Tive o prazer de ler alguns, ainda assim poucos, muito poucos, dos seus escritos: Memorial do Convento, extraordinário, duro como o triatlo de Penacova, porque nos leva a sermos teimosos na leitura até ao fim, mas de um brilhante retrato histórico, e ainda por cima bem humorado (fez-me rir várias vezes enquanto o lia), como aliás, é costume nas paginas escritas pela sua mão; Ensaio Sobre a Cegueira, uma ficção bem esgalhada e satirizada da nossa vivência hodierna; Viagem do Elefante, por acabar...
Há sempre a tendência para se considerar que quando homenageamos alguém de forma especial, que o resto é paisagem. Felizmente há imensos escritores brilhantes, em Portugal. Uns melhores que outros. Mas há. Saramago é um expoente máximo. Há mais um ou outro, mas Saramago é-o. E a prová-lo, para além do património literário que nos delega, a nós portugueses, e ao mundo em geral, nos últimos anos da sua longa vida, Saramago continuou vivaz, acutilante, sagaz, como se o seu raciocínio fosse independente do envelhecimento notório do seu corpo. Olhando-o, era como se por dentro daquela carcaça de gente vivesse um espírito indomável: de liberdade, de clarividência, de irreverência.
É óbvio que Saramago foi polémico, é óbvio que nem sempre acertou, mas caramba! pensou, ousou, incomodou, fez-se à vida, não esperou por ela, atirou-se de alma e coração a ser ele próprio, para quem o quisesse ouvir. Não se resguardou, não jogou à defesa. Teria sido um grande seleccionador em qualquer jogo. Por isso, saiu por cima, pela porta grande. E vai incomodar muita gente para onde vai, porque o seu espírito desabrido não irá deixar ninguém descansar no poleiro de uma qualquer cadeira almofadada.
Acredito que Saramago terá sido um triatleta da palavra!
Bato-te palmas, escritor!!
Sem comentários:
Enviar um comentário